Eu me apego a lembranças de pessoas que não existem mais.
Será que é possível que alguém mude sua essência? 
Que seja capaz de mudar tanto a ponto de realmente deixar de ser o que se era? Que não reste mesmo nada?
Eu nunca vou saber conviver com isso, com a morte de alguém ainda em vida, com o fato de nunca mais ter acesso àquela pessoa que existiu um dia. Me dói tanto perder alguém que se foi dando lugar à um desconhecido.


"E sempre estar lá, e ver ele voltar, não era mais o mesmo mas estava em seu lugar"



Eu não estava preparada para envelhecer. Talvez ninguém nunca esteja. Não envelhecer em idade, mas sim deixar de gostar de coisas que eu costumava amar, deixar de conseguir fazer coisas com as quais eu não tinha nenhuma dificuldade. Ver as prioridades serem alteradas contra a minha vontade. Eu não estava preparada para me sentir diferente das pessoas mais jovens.

 Hoje foi um dia daqueles: um dia que começou com um sol escaldante e se findou em nuvens pesadas derramando do céu, e isso me remeteu a uma viagem no tempo. 
Mais de 15 anos atrás estávamos na escola. Aquela montanha russa de sensações e experiências novas, tudo deliciosamente caótico. E cada vez que alguém descobria que, por via de regra, a gente carregava na mochila uma muda de roupa - bem limpa e bem seca - eles riam de nós. É que esperar pela chuva em qualquer época do ano era uma coisa só nossa, uma piada interna, uma aventura do nosso coração sonhador. Fazia parte do ritual correr pelas calçadas sentindo a água no rosto e cantando alto músicas que davam vida aos nossos sentimentos. E eu viajei praquele momento. Pros sorrisos sinceros, pra roupa encharcada sendo escondida na mochila, pra sensação de alma lavada. 
Eu sinto falta de como éramos tão inocentes a ponto de ter paz.


A gente não existe mais. Tudo que restou é só poeira do que fomos um dia. O que te mantém apegada à mim é a mesma coisa que me mantém apegada à você: a necessidade de ter tido alguém todo esse tempo, a necessidade de provar pra si mesma que durou, que alguém ficou; mesmo sendo uma meia verdade pra encobrir que somos igualmente solitárias.

Nós não nos conhecemos mais, nossos pensamentos não se encontram, não há conforto. A presença é tão incômoda que dói. Machuca ver que nos tornamos duas estranhas. Sorrisos forçados, assuntos pela metade, o que aconteceu com as tardes de sorrisos fáceis?

Sou forçada a admitir que algumas coisas simplesmente não tem volta, que pessoas mudam e se desconhecem, e não há como rebobinar o tempo ou voltar pra quem se era.


Sabe o quê, moreno? A nossa relação é incrível. Mais do que gostar do seu beijo, do seu cheiro, do seu sexo, da sua voz: eu gosto da nossa real intimidade e das nossas vidas estarem atreladas uma à outra de maneira a quase se fundirem.

Eu gosto de ter descoberto uma relação que eu nem sabia que existia, pois é como se a cada dia aumentassem os motivos para continuar do seu lado. Eu nunca fui tão próxima assim de alguém, viver essa sensação é uma experiência incrível para mim e continua sendo a cada ano que passa, a cada coisa que construímos, a cada beijo que você me dá.

Vivemos as coisas românticas e também as coisas práticas e em todas elas nos harmonizamos; mesmo nas diferenças conseguimos nos encaixar, pois com o tempo aprendemos a conhecer um ao outro e a lidar do melhor jeito com os atritos do dia a dia.

Quando estou longe de você eu consigo ver com ainda mais clareza o quanto nós somos bons juntos e o quanto a confiança paira entre nós, uma confiança construída dia a dia, mês a mês, sólida e saudável.

Te encontrar - há 6 anos atrás - foi uma novidade maravilhosa e recheada de sonhos que eu nunca tinha tido antes. Tão repentinamente eu fui sonhando mais e mais coisas, todas elas do seu lado. Eu amo tanto te ver todos os dias ao acordar, amo tomar banho juntos enquanto fofocamos de coisas aleatórias, amo saber que meu lar é o mesmo que o seu. Eu amo te chamar de meu marido.

A nossa relação é boa, moreno, é boa demais.



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Até onde estou exagerando e sentindo tudo 10x mais do que a realidade, e até onde estou realmente sendo ignorada e feita de trouxa? É difícil saber o limite quando se sente muito, se sente tudo. Eu sou muito sensível à todas as interações. 

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Dizem por aí que o amor acelera o coração. Bom, há controvérsias. Quando estou do seu lado meu coração desacelera, seu abraço cura toda a taquicardia que a ansiedade do dia a dia me traz.
Quando nossas respirações estão sincronizadas é que eu sei que o amor é paz, é calmaria, é conforto
, é intimidade. O amor é um lugar seguro. Seu cheiro faz com que minha mente -tão barulhenta- finalmente silencie todos os medos e angústias. Eu amo você, moreno. Obrigada por compartilhar a vida comigo.


    Quando fico ansiosa eu provo roupas. Roupas que comprei sem ter como pagar e que provavelmente nunca vou usar. Visto casacos, testo combinações, alterno sapatos. Penso em lugares, em pessoas, em impressões pra causar. Organizo todas as araras por cor. E a cor por modelos. E os modelos por tamanhos. Desfilo pelo espelho com roupas caras, marcas conhecidas, calçados de couro. Eu realmente não sei qual é exatamente o motivo desse vazio que tento preencher mas sei que é um vazio enorme, um buraco negro que suga todas as minhas forças e todas as minhas tentativas fúteis de tentar esquecer que ele existe. Caminho pela minha casa de apenas 40m² com meus looks que, todos somados, talvez mobiliassem a casa toda, e quando penso nisso me dá um desespero profundo que aumenta minha ansiedade e me causa náuseas. As pessoas provavelmente me acham fútil, todas elas, e as minhas atitudes são mesmo. Porém não é pelo prazer da futilidade por que, pelo contrário, eu me sinto péssima, culpada e frustrada.

Bom, vamos começar do começo. E nele, quando eu tentar falar, você vai me chamar de dramática, exagerada, louca, pois é assim que as mulheres são taxadas quando tentam se posicionar nas mínimas coisas. Mas questão é: depois que se parte para uma jornada de auto conhecimento, principalmente com ajuda de uma profissional, se entende que existem vários níveis de controle e manipulação. E eu, depois de muitos traumas e privações, recentemente estou dando os primeiros passos para entender isso. 

Em um dia trivial você está viajando a trabalho e estamos nos falando pelo whatsapp. Eu te mostro a foto da minha nova tatuagem e você da caixa de som que colocaram pra tocar. Isso é quase novidade pra mim, pois quando estamos distantes você não se comunica muito comigo de maneira descontraída. Então eu te pergunto: "Amor, por acaso você sabe onde está o tripé da ring light:" , e você me pergunta por quê estou perguntando isso, e eu digo "porque não me lembro onde está". Você me diz "Está aí em casa" e eu espero, considerando que é uma brincadeira. Depois de alguns minutos, pergunto "você não sabe onde está?" e a resposta "não sei". Respondo então que tudo bem e você retruca "Pra quê você quer ela?". Eu digo "Não é dificil de adivinhar, quero tirar umas fotos da minha tatuagem, não precisa ser grosso." E você diz: "Eu sei onde está, mas agora não vou falar." Continuo achando que se trata de uma brincadeira, porém começo a ficar irritada quando se passam mais de 10 minutos. 17 minutos depois então eu digo, irritada e infantil, que não precisa mais falar comigo. Ainda espero que responda que é uma brincadeira, mas você começa a me ignorar, e eu, sem controle emocional nenhum, começo uma briga. Pergunto o que estava fazendo que não poderia responder as mensagens que estava lendo e você diz "Estou no posto Fênix".

Corta pra um dia anterior quando eu, depois de 2 dias muito dificeis, te mando uma mensagem dizendo que estou indo ao posto beber cerveja com um amiga. Depois de embriagada, minhas ideações suicidas e todos os transtornos psicológicos atacam. Dirijo por uma estrada escura por vários quantos km com o som extremamente alto. Volto pra casa e te mando uma mensagem claramente embriagada num tom um pouco agressivo dizendo que estou cansada de viver. Você ignora o perigo que corri e diz que estou bêbada. Tudo bem, estou mesmo, mas agora estou em casa. Nos despedimos.

E de novo na nossa conversa, você está em uma cidade totalmente diferente, e começo a te questionar o motivo de falar sobre "o posto" aleatoriamente no nosso assunto, e relembro como você sempre se descontrola de ciúmes quando eu vou a qualquer lugar que seja sem você. Inclusive sobre lugares e assuntos que são totalmente neutros ou corriqueiros. Então fico mais nervosa e a nossa briga se agrava. O que era uma briga extremamente boba chega no momento crucial de uma enorme bandeira vermelha:

"O que custava você falar pra que queria? Você é minha esposa e tenho DIREITO de saber".

Teria sido mais fácil se eu, no começo da conversa, simplesmente tivesse dado satisfações a você do motivo -mesmo quando te percebi hostil-. Encerraria o assunto e evitaria uma discussão. Mas pense bem: para homens nunca é claro o quanto o controle e a violência podem começar sutis, pois a eles é natural e estrutural que seja assim. E mesmo que no momento não tenha entendido entrei na defensiva. E fui chamada, olha só, de "louca". A discussão continuou até chegar em palavras que não devem ser ditas um ao outro. Me culpei por ter comprado uma briga "atoa". Com um pouco mais de calma, revisei as mensagens no aplicativo, e finalmente entendi. Era uma chantagem. Sim, uma chantagem. Parece ridículo? Não para uma relação em vias de ser abusiva. A chantagem consistiu em usar seu conhecimento (onde está item x) para ter controle sobre itens ou situações privadas (o que eu iria fazer com aquilo). E aí eu te pergunto, você como marido, tem direito de ser dono do que eu faço ou deixo de fazer? Tem direito de me proibir (invibializando o meu uso) com condições de que para permitir deveria controlar os motivos e as intenções? Você usou as armas que tinha. É sutil. Começa assim. Poderia ser exagero? Seria, se infelizmente não fosse uma realidade tão forte e tão reincidente com mulheres em todo o mundo. Talvez você já conheça a história da rã e da água fervente - se joga uma rã em uma caldeira com água fervendo, ela com certeza vai pular para fora na mesma hora. Mas se a joga numa água em temperatura agradável, e vai gradativamente aumentando, de maneira que não seja uma mudança brusca, ela vai ser cozida até a morte. - Conseguiu entender? Todo abuso começa de maneira sutil. Nenhuma mulher vai achar uma delícia ficar com um homem que, logo de cara, a agride, a cerceia, a controla, a isola. Ela vai fugir. Mas um relacionamento pode começar agradável, ter muitos e muitos momentos felizes que a façam ficar. E é esquentando a água aos poucos que o ciclo se perpetua. Os sinais são discretos, vem aos poucos, e até que se manifestem de maneira mais clara o ciclo já está em curso. Estou tentando aprender que minha liberdade não se negocia; nem mesmo pela paz de "evitar uma briga". Todos os relacionamentos que tem uma bandeira vermelha vão se tornar agressivos fisicamente? Não. Alguns fisicamente, alguns verbalmente, alguns vão envolver manipulação, estupro, isolamento, alguns todas essas coisas juntas. Excessões? Claro. Raríssimas. Mas não o suficiente para que uma mulher, ao ver um sinal de alerta, deva ignorar.

Ain, Solange, mas você fez todo esse auê por causa de um tripé de uma ringlight? Não, meu querido. Eu fiz por todas as vezes que fui calada, silenciada, abusada, traída, agredida. Eu fiz pelos traumas que todos os homens que passaram por mim causaram, inclusive você. Não negocio minha liberdade e minha autonomia.



 Depois de passar dias despersonalizada eu senti a visão turva se alinhando devagar depois que te abracei. Acho que meu gatilho é ficar sozinha, todas as crises parecem fazer um pouco mais de sentido pensando por esse lado.

Mas eu estava enganada quando achei que a despersonalização estava insuportável e fui precipitada quando quis que ela acabasse. Ela me mantinha dormente, num estado de transe, uma fuga. E agora que todas as camadas do meu cérebro parecem estar se realinhando a dor voltou. O desespero, a rejeição, todos os pensamentos negativos e persistentes de inutilidade batem forte no meu peito. A sensação de que não tenho nenhum tipo de valor e de que sou um peso me espanca. O choro tenta ultrapassar os olhos e me sinto caindo, caindo. Sentir dói.

Acordei e abri os olhos, totalmente zonza eu olhei em volta: tudo era iluminado artificialmente num ambiente estéril. Eu não sabia se era dia ou se era noite. Estava sozinha e nua, apenas um tecido verde jogado por cima do meu corpo, e não fazia idéia de como ou porquê tinha ido parar lá.
Quando a vertigem começou a passar, eu me percebi em uma maca, com fralda, dreno e sonda. Não conseguia me ambientar ou raciocinar direito até que um médico entrou, me olhou nos olhos e disse: "Você se lembra do que aconteceu?" Eu pensei e pensei por alguns minutos e então caí no choro enquanto voltava no tempo.
Era um dia de folga qualquer, eu não tinha nada específico na mente, mas meu corpo indicava alguns sinais de ansiedade: A boca seca, a queimação nas costas e inquietação nas mãos e pés. Eu não chorei. Alguns detalhes ainda me fogem, mas de repente tudo começou a perder o sentido, um vazio e ao mesmo tempo uma angústia, como se eu não soubesse o que fazer comigo mesma. A inquietação piorou, mas eu não desisti - em nenhum momento eu desisti de viver - o que é estranho e confuso. Como se carregasse uma pedra enorme nas costas me senti esmagada, eu perdia o ar e meus pensamentos começaram a se acelerar e focar em todos os momentos da minha vida em que me senti triste ou perdida, em todos os momentos que me senti desnecessária para o mundo e um peso para as pessoas eu me amavam. Mas eu ainda não desisti, eu não pensei na morte, não pensei em nenhuma consequência, eu acho que no fundo só queria fazer aquilo tudo parar. Meu peito queimava, como se fosse explodir. Então, não consigo me lembrar de nada além de flashs: eu sentada e a mão cheia de remédios amarelo-alaranjados. As cartelas jogadas no chão. A água fria descendo pela garganta. E depois o nada. Apenas acordei naquele momento horrível em que o médico, além de me perguntar se eu lembrava do que tinha acontecido, disse em voz baixa que eu deveria morrer logo para dar lugar a quem precisava. Mas eu ouvi, e não soube reagir ou lidar com aquilo naquele momento.
Apartir daí lembro de menos coisas ainda. Não sei em que momento eu descobri que havia passado 8 dias em coma, ou em que momento meu Moreno chegou, ou ainda em que momento todas aquelas coisas foram tiradas do meu corpo. E depois disso veio a parte mais difícil: lidar com os danos que causei não só a mim mesma, mas às pessoas que se importavam comigo de verdade. Ver os vídeos que meu moreno gravou pra mim enquanto eu estava desacordada, claramente cheio de sofrimento, ou olhar nos olhos da minha família enquanto eles me olhavam com alívio e medo, com desespero, com dúvidas, e com tanto amor. Ou ver os vídeos dos meus amigos tentando dizer com convicção que eu ia sair dessa, mas sem conseguirem disfarçar a agonia e a tristeza de não saber se isso ia realmente acontecer. Assimilar todas essas informações, somadas aos danos físicos, me deixaram completamente perdida e sem chão. Eu não conseguia caminhar, comer ou dormir. Não conseguia fazer a maioria das outras coisas sem ajuda. Foi um processo lento e doloroso que eu ainda não superei. Sofri tanto preconceito, tantos julgamentos, e isso não me ajuda em nada com o meu processo de recuperação. Depois de um mês eu já voltei a ser uma pessoa funcional, já voltei pro trabalho e à minha rotina, mas não acabou todo esse processo de melhora, tento focar na terapia, nas consultas com o psiquiatra, e nas medicações que me ajudam, mas eu sempre fui uma pessoa neuroatípica e não sei se isso um dia vai mudar. Às vezes ainda questiono se eu realmente mereci a segunda chance que ganhei. 



Tenho dificuldades de encarar que durante aquele tempo alguma coisa mudou de maneira irreversível.

Eu sei que ainda preciso de você como preciso do ar para respirar, e isso não é só uma frase romântica retirada de livros adolescentes, é minha realidade. Eu realmente acho que sem você eu sucumbiria ao desespero ou ao vazio de maneira em que não conseguisse comer ou dormir. Mas é diferente, e o mais estranho é ter sentido exatamente quando tudo mudou.

Naqueles meses, enquanto você permanecia fora, eu senti nas minhas entranhas o sentimento se contorcendo e se transformando, e quando você chegou foi tudo tão estranho, era como se não mais nos conhecêssemos ou nos amássemos, como se tivesse evaporado toda aquela intimidade que eu sempre senti desde quando te conheci. 

Temos caminhado juntos, mas de vez em quando precisamos mudar a direção, e assim seguir procurando qual o melhor caminho para voltarmos a ser felizes. E nessa estrada vamos reaprendendo todos os detalhes um do outro, aprendendo a amar essa nova versão de nós que a vida fez surgir.


  

 Naquele momento eu entendi que todos os meus medos, minhas crises de ansiedade e minhas noites sem dormir no último mês tinham um motivo concreto. Não era uma paranoia como todas as outras. Todos estavam realmente comentando de mim o tempo todo nas minhas costas. Rindo, acusando, julgando, odiando ou fazendo chacota. Pela primeira vez na vida eu tive que encarar de forma muito direta o fato de ser neuroatipica, tive que encarar as consequências de ser uma pessoa problemática e pouco funcional.

    E naquele momento, quando tudo fez sentido, eu senti como se estivesse caindo para o inferno, uma sensação real de que o chão tinha se aberto e que eu estava em queda livre. E eu me mantive assim, flutuando de uma maneira cruel, sem realmente chegar a destino nenhum, com o peito em chamas e a cabeça fora da realidade. A medicação tem me mantido viva, é inegável que eu sinto como se fosse sucumbir se não houvessem essas muletas químicas, mas ainda existe o desespero, como se nada mais fizesse sentido ou devesse existir, inclusive e principalmente eu.

Os pensamentos obsessivos me torturam 24 horas por dia, acordada ou dormindo, eles estão ali, fazendo com que eu me martirize e me culpe e me envergonhe. Com que eu pense que não tem saída, que não tem futuro. Não sei o que fazer. Estou tão perdida e tão sozinha... Não consigo lidar nem encarar tudo isso, sei que sou fraca, sempre fui.

"Inerte no inferno que nem mesmo a medicina soube antídoto..."


Só fazem 24 horas desde que saí, e eu me sinto estranhamente febril por me ver a tantos quilômetros de você.
Pela janela do ônibus, muitas luzes e vida noturna, as pessoas vão e vem, sorriem animadas, mas é estranho como nas janelas tudo sempre parece melancólico e distante.
É doentio como meu coração se mantém apertado por estar longe de você. Surreal como eu consigo fechar os olhos e não lembrar de um rosto que acabei de ver, mas visualizo o seu em todos os seus detalhes, em todas as suas expressões.
No fone de ouvido tocam músicas que você nem sequer conhece, mas é você presente em cada melodia, em cada segundo, em cada sensação, e se eu me atrevesse a imaginar qualquer contato íntimo que não fosse o seu, meu corpo se encheria de repulsa e estranheza, como se só o seu toque fosse capaz de me arrepiar. 


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É difícil para mim entender que os relacionamentos são feitos de fases. Eu sou intensa, intensa no amor e intensa na dor. Não sei esperar o tempo cuidar das coisas como ele sempre faz, me afobo e meto os pés pelas mãos, me quebro inteira pra depois ter que me refazer, um ciclo que se repete infinitamente desde que me entendo por gente.


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A ansiedade ataca cada milímetro do meu corpo. Ela nunca está satisfeita. Odeia a rotina e odeia a mudança. Repugna que eu tenha responsabilidades e me destrói quando não as tenho, mas de alguma maneira tudo isso se ameniza quando você está por perto. De algum jeito misterioso você, com suas poucas palavras, torna tudo mais suportável e mais tranquilo. 
Eu continuo lutando contra os meus fantasmas mas sua presença é lar
Estar ao seu lado traz uma paz que nunca senti antes mas ao mesmo tempo é tão intenso que me embriaga. 
É como se os sentimentos ficassem misturados dentro de mim. Olhar pra você me transmite sensações diversas que coexistem no mesmo espaço de uma maneira muito maluca.
Eu não me canso desse cheiro, desse toque, desse sorriso; os dias continuam passando, se transformando em meses, depois em anos, e continuo perdidamente apaixonada por você.
As coisas têm acontecido na nossa vida e eu sinto como se não fosse real, como se eu não fizesse parte disso tudo ou estivesse apenas assistindo um filme qualquer da sessão da tarde. Compramos nosso carro, nossa casa, nossos móveis, abrimos nossa conta conjunta. Parece tudo distante e confuso. Alguns anos atrás eu jamais poderia me imaginar aqui. Onde ficou a menina egoísta, individualista, negacionista do casamento, e quem diria? Meus amigos não conseguem assimilar até hoje, nem eu.
Você é tão diferente de mim em algumas coisas mas nos tornamos tão parecidos em outras que às vezes já nem consigo me lembrar de como eu era antes de vivermos juntos. Já não sei mais de quem eram as manias que hoje são nossas.
Eu me perdi no seu abraço, não sei mais voltar pra quem eu era. Mas algo me diz que hoje sou melhor.
Eu não me canso de te amar, meu moreno.


Num domingo comum, uma mensagem sua acende a nossa conexão, você escreve animado que está chegando em casa, que quer fazer fumaça, a gente ri e eu já sei ali que a nossa noite começou bem. Você chega com cerveja e pra minha surpresa até o alcóol parece gostoso. A gente canta, ri, se embriaga, e então naquels noite somos eternos.
Eu gostaria que houvesse uma maneira qualquer de guardar pra sempre, em potes transparentes, toda essa alegria que irradia nesses momentos em que parecemos ter sido feitos um pro outro. Um jeito simples de engarrafar aquele riso frouxo que você me arrancou enquanto rolávamos completamente bêbados pelo tapete da sala, ou o seu olhar enquanto dançava comigo no meio da fumaça, sem se preocupar com o volume do som. Se houvesse uma maneira de gravar a sensação daquele beijo apaixonado que você me deu, eu a repetiria pra sempre.
Quando estamos juntos nos divertindo eu me sinto plena e completa de um jeito perigoso. Eu sei que minha dependência atingiu níveis nunca atingidos antes. Mas eu não ligo. Quero o hoje, o agora, nosso sexo no carro no meio da estrada, seu gemido sincero, nossos risos, nossas conversas, nossas viagens, nossa casa e nossas coisas desorganizadas e tão cheia de nós. Quero você inteiro, completo, dormindo ou acordado, com a certeza sempre tão latente de que você é meu. Quero seu cheiro e seu gosto, o toque da sua pele, a pressão das suas mãos na minha cintura, o seu hálito no meu pescoço.
Talvez um dia eu me esqueça desses momentos, ou eles pareçam distantes o suficiente pra não me proporcionar esse frio gostoso na barriga como se eu fosse uma adolescente descobrindo a vida, mas eu quero escrevê-los enquanto ainda estão frescos na minha memória e enquanto ainda voam vivas as borboletas do meu estômago.


"Tô aqui na sua frente meio bagunçado,
Cheguei com o volume do som topado
Lembrei do rolê domingo passado,
Aí 'cê lembra bem. Nada é impossível,
Tudo é invisível pra quem só olha pra si.
Não é bem assim, é coisa de outro nível
Eu me acho incrível quando 'cê olha pra mim e gosto assim
'Tá pra nascer um maloqueiro disposto a soltar o dedo só por causa dela
Aí eu penso o tempo inteiro e até bate o desespero, o que sou eu sem ela
Eu danço com a nossa fumaça, me abraça no conversível, segura minha mão
Até o radar tirou uma foto e se nóis tivesse de moto, não pegava não
E hoje nóis bota pra fuder, ver o sol nascer, faço o que 'cê quiser
Nóis inventa outro rolê, um jeito de viver só com amor e fé.
E nada mais é como antes, nem fácil o bastante pra ver
Difícil entender que o sol de hoje não é o mesmo de ontem
Eu e meu mundo imaginário, 30 mil de salário
Era nós dois, deixando esses problemas pra depois
Era só bar, estúdio, os shows lotados
Mó clima de paz, revólver guardado
E se tudo der errado, eu vou sorrir e brincar com esse destino
As vezes todo mundo volta a ser menino
Aí revive e aprende tudo, nessa escola é só lição
Tudo é diversão
De brincar por nada
Sentar na calçada, conversar besteira
Mente bagunçada com várias parada e nóis de bobeira
'Tá pra nascer um maloqueiro disposto a soltar o dedo só por causa dela
Aí eu penso o tempo inteiro e até bate o desespero, o que sou eu sem ela
Eu danço com a nossa fumaça, me abraça no conversível, segura minha mão
Até o radar tirou uma foto e se nóis tivesse de moto, não pegava não
E hoje nóis bota pra fuder, ver o sol nascer, faço o que 'cê quiser
Nóis inventa outro rolê, um jeito de viver só com amor e fé
E hoje nóis bota pra fuder, ver o sol nascer, faço o que 'cê quiser
Nóis inventa outro rolê, um jeito de viver só com amor e fé
'To aqui na sua frente meio bagunçado
Cheguei com o volume do som topado
Lembrei do rolê domingo passado
Lembrou?"


Sei que entre nós houveram coisas em comum. Poucas, mas houveram. Por um longo tempo, alguma coisa em nós nos aproximava um do outro. Mas e agora, o que sobrou? O rastro dos seus olhos castanho-esverdeados percorrendo meu corpo? E todo o resto? Eu já não consigo me lembrar quais eram as coisas tão fortes que me ligavam a você, que me impediam de ir embora mesmo quando tudo já era pó.
É estranho e assustador te olhar e ser confundida pela memória de que tudo não passou de ilusão, carência, o conforto estranho de ter alguém. Será uma armadilha da minha mente apagando tudo que existiu ou realmente não existiu nada?
O amor se foi ou ele nunca esteve aqui?

Passei toda minha vida sonhando com coisas bregas e agora não fico mais pensando o quão boba você me acharia se soubesse cada uma delas. Evitava te dizer que você tem me permitido viver coisas as quais eu já havia descartado serem possíveis porque tinha medo de que isso fosse apenas mais uma ilusão. Mas você me fez voltar a acreditar no amor e em tudo de mais tosco e romântico que ele traz. Todas as experiências ruins e frustrantes que vivi me adormeceram para pequenos momentos de felicidade mas você me acordou e me fez poder sentir de novo.
Eu acordo de madrugada e vejo seu cabelo preto caindo nos olhos, tento te tocar devagar para não atrapalhar seu sono e esse cabelo brilhando naquele momento enquanto você dorme tranquilo é a coisa mais linda que eu já vi. Eu quero colocar todas as músicas que gosto, uma a uma, só pra poder ficar te olhando e desejando que esse momento seja eterno... Quero todo dia os seus olhos pretos me olhando desse jeito que só você sabe, com paixão e ternura, enquanto fico me perguntando com o olhar se tudo isso é mesmo real.
Não sei se você consegue entender o quanto a sua boca me envolve e que eu me sinto realmente levitar enquanto você me beija devagar, mas alguma coisa no seu suspiro levemente me diz que sua mente também flutua quando nossos corpos se tocam.
O tempo passa diferente do seu lado e seu abraço é tudo de mais confortante que eu tenho. Você não se importa quando coloco meus pés gelados na sua barriga quente, você não se afasta quando eu me enrosco em você de manhã. Você é tudo de melhor que eu poderia ter. 
Você é lindo, é lindo demais. Eu não canso de admirar e de pensar que sorte eu tenho, que sorte a gente tem de se achar no meio da multidão.
"Você é a coisa mais adorável que eu já vi"

Culpa

É estranho observar a maneira você parece precisar a todo custo se expurgar da culpa. Em mim ainda existe aquela velha sensação de que suas palavras são apenas um pretexto pra que você confirme se realmente foi marcante na vida de alguém, mesmo que de forma tão negativa. Não sei definir de que maneira o seu orgulho entra nessa história.
É extremamente confuso observar você dizer que sente muito. Eu senti muito, por muitos anos, enquanto você não sentia nada. Senti tanto a ponto de querer morrer ou matar. Senti amor, sim eu te amei. E senti ódio, como se nunca mais fosse ser feliz se não pudesse te fazer infeliz. Isso te diz alguma coisa? Isso te faz sentir muita culpa, muita tristeza ou muito orgulho? Bom, mas tudo bem, isso não importa mais. Não importa porque eu te perdoei. Sim, perdoei, precisei perdoar muitas pessoas para poder seguir em frente. Foi quando aprendi a lidar com todos os fantasmas que me assombraram por alguns anos que eles finalmente se foram permanentemente.
Então não espero que entenda o fato de eu não querer suas justificativas, pois precisei passar por todas as etapas para não continuar transformando tudo que passei em uma bola de neve, e esse caminho eu trilhei sozinha, não posso mudar o passado. Se você não vê intensidade do seu ponto de vista é pelo fato de que você não a viveu. Talvez você não entenda a gravidade mas eu precisei conviver concomitantemente com a depressão, o pânico, a ansiedade e com você. A história tem dois lados? Tem, mas também não muda o fato de que eu vivi coisas que jamais conseguiria descrever nem em mil textos. Quem sabe tudo tivesse sido diferente se eu não viesse de uma realidade doente, mas não foi. Essa é a minha realidade.
Se eu te acho um monstro? Não mais. Essa etapa também passou. Eu sei que em você, assim como em qualquer outra pessoa no mundo, há qualidades e defeitos, e sei que o tamanho do meu sofrimento foi circunstancial, não foi exclusivamente culpa sua. Mas isso não é suficiente para desfazer todo o mal que você me causou, consciente ou inconscientemente. Eu posso perdoar e compreender, mas jamais vou poder esquecer porque a minha realidade vem de dentro, vem do que passei, do que senti, principalmente.
Superar um trauma é possível. Sim, a gente supera, segue em frente, para de sentir aquela mágoa paralisante. Mas esquecer é uma outra história. É fácil pra qualquer um que não tenha vivido nada semelhante julgar a forma como lidamos com nossos medos e nossas lutas, mas eu acho que cada pessoa tem seus próprios métodos de aceitar as próprias vivências. Você pode encarar de uma maneira diferente meu sofrimento, e tá tudo bem.
No fim das contas eu acho que a pior parte de tudo que passei é ainda acordar as vezes com medo dentro de mim.
Mas a melhor parte é que todo o caminho que eu trilhei me trouxe até aqui. E eu estou bem onde estou, estou bem com a pessoa que me tornei. Eu consigo amar intensamente. Ver a morte de perto por tantas vezes me fez entender a vida de uma maneira que ninguém mais vai. E essa é a minha história, não a sua. Não posso reescrever o papel que você teve nela.
Essa culpa realmente existe? Se ela existe, ao invés de tentar se justificar, eu espero simplesmente que você possa se perdoar também. 

Já fazem mais de dois anos desde aquela noite em que te olhei pela primeira vez. Você estava com aquela camisa xadrez de mangas longas um pouco grossa praquela noite quente. Tinha nos olhos um brilho envergonhado e não sabia o que fazer com as mãos. Foi gentil comigo e eu fiquei te observando enquanto se abaixava pra ajudar com todo aquele trambolho adolescente com cheiro de fumaça adocicada. Depois se encostou no meu carro sem saber de quem ele era e ficou ligeiramente vermelho quando me viu me aproximando.
Naquela noite, conversamos muito sobre vários assuntos aleatórios. E quando você segurou levemente no meu queixo e me beijou, eu sabia que alguma coisa diferente se acendia em mim. Quando o dia amanheceu, fiquei vendo você sumir na curva e eu não sabia o que fazer com aquela sensação de que algo me ligava a você. E quando os dias foram se passando eu decidi que simplesmente você tinha que saber, tinha que saber que eu não queria ficar longe de você. E você também não quis ficar longe de mim, nunca mais desde então.
Eu não sei explicar como essa sensação, até hoje, nunca diminuiu. Às vezes eu te olho no meio da noite e sinto tudo se agitar dentro de mim. Às vezes me lembro da sua insegurança e da sua timidez do começo e sinto que te amo ainda mais. E quando você suspira, ainda dormindo, e me abraça, eu sei que meu instinto não errou. Alguma coisa mudou naquela primeira noite. De certa maneira eu já sabia que precisava ser sua.
Confesso que foi a sua maturidade que fez do nosso relacionamento um laço contínuo e saudável. Meus sentimentos a flor da pele e toda a minha imaturidade poderiam ter estragado tudo, mesmo explodindo tanto amor dentro de mim. Mas você me ensinou muito sobre viver a dois. Com você tudo é paz. Na contramão de todos meus outros relacionamentos recheados de tormento, você me deu "a sorte de um amor tranquilo".
Eu ainda sinto vontade de me beliscar quando passeamos, só nós dois, e nos divertimos como se não houvesse mais nada de importante no mundo além dos nossos momentos. E ainda custo a acreditar quando te vejo interagindo com meus amigos, alegre, e nossas noites de bebedeira terminam em sorrisos esganiçados e gemidos sufocados, apenas. Sem lágrimas, sem brigas, sem o vazio existencial que sempre me acompanhava antes de você chegar.
Eu nunca me canso de você. Eu durmo todos os dias do seu lado, e todos os dias de manhã você me beija pra se despedir antes de sair. Eu nunca me canso dos abraços, dos beijos, dos carinhos, do sexo, dos sorrisos, das conversas. Não me canso de te admirar enquanto dorme tranquilo, e das vezes que passo a mão pela sua barba e você geme sonolento. É abismal a maneira como durmo melhor do seu lado, sentindo seu calor. E a maneira como acordo tranquila sentindo você.
Eu te amo tanto, moreno. Tanto, que as vezes dá medo. 

Nós somos felizes, apesar de todos os percalços que um relacionamento tem. Quer dizer, eu sou feliz com você. Não estou aqui para definir o seu sentimento, mas o meu. E nesses momentos em que tudo está indo extremamente bem eu me sinto amedrontada, a felicidade me sufoca, não sei lidar com ela. Depois de todas as decepções que eu vivi, eu não consigo respirar toda essa paz sem pensar no fim.
Enquanto te olho dormindo, me pego calculando quantas sessões de terapia seriam necessárias para superar as lembranças desses momentos bons. Enquanto dançamos e rodopiamos pelo piso da sala eu sinto uma necessidade estranha de registrar com mais atenção possível cada detalhe, por medo de que eles se findem e nunca mais se repitam. Deitada no seu colo, recebendo um cafuné, você me olha com olhar de amor e eu me pergunto até onde tudo isso é real. Suspiro, numa mistura de medo e satisfação.
Me apavora a possibilidade da auto sabotagem que isso tudo pode causar. 
Ainda é difícil pra mim aceitar essa paz, esse conforto, essa segurança que nosso relacionamento me dá sem duvidar de que tudo é uma armadilha cruel pra fazer o resto da minha vida desmoronar.
É estranho estar de volta aqui. Como se eu estivesse tentando resgatar uma parte de mim que foi ficando pelo caminho, pelas curvas, pelas pedras, se perdendo no meio das minhas vivências confusas. E eu não sei se ainda consigo me expressar com as palavras como já consegui um dia. Não sei se posso botar pra fora toda essa dor que foi se assentando e se tornando turva aqui dentro... Mas eu preciso tentar.
Isso aqui é tudo que sei, tudo que sou, tudo que tenho. É onde pousaram as lágrimas e os sorrisos mais marcantes. Escrever é a minha salvação diante de todos os furacões que moram dentro do meu peito. É uma história especial que só interessa a mim, como se eu fosse única no mundo. Aqui eu me sinto mais sozinha e menos solitária, contraditoriamente.
Eu quero ter de volta a minha essência, o eu que as dores tentaram me tomar.


Eu queria ter escrito um texto pra cada vez que meu coração saltou ao ver aqueles olhos pretos brilhando. Queria ter escrito cada vez que vivemos um daqueles momentos incríveis dançando a sós ou conversando sobre coisas aleatórias sentados na calçada. Queria ter eternizado tantos momentos que talvez um dia sumam da minha memória... Registrado-os ainda frescos na mente, detalhe por detalhe, completos e intocados.
Mas não o fiz. Talvez eu estivesse ocupada demais respirando toda aquela paz e aquele encantamento, quem sabe.
Mas agora meu coração sente que é tarde demais. Como sempre, vejo evaporar dos meus sentidos todo amor e todo desejo. Como se todo sentimento tivesse prazo de validade -curto- pré determinado.