Eu queria ter escrito um texto pra cada vez que meu coração saltou ao ver aqueles olhos pretos brilhando. Queria ter escrito cada vez que vivemos um daqueles momentos incríveis dançando a sós ou conversando sobre coisas aleatórias sentados na calçada. Queria ter eternizado tantos momentos que talvez um dia sumam da minha memória... Registrado-os ainda frescos na mente, detalhe por detalhe, completos e intocados.
Mas não o fiz. Talvez eu estivesse ocupada demais respirando toda aquela paz e aquele encantamento, quem sabe.
Mas agora meu coração sente que é tarde demais. Como sempre, vejo evaporar dos meus sentidos todo amor e todo desejo. Como se todo sentimento tivesse prazo de validade -curto- pré determinado.

Você sabe que precisa reagir. Mais do que isso, você quer reagir. Cada milímetro do seu corpo grita pela luz do sol, pelo movimento, por comida. Mas ainda assim permanece ali, derrubada pela inércia de continuar imóvel. Seu corpo parece pesar 500kg. Sua mente se alterna entre um terremoto violento e um vazio ensurdecedor.
Nada acontece.
Você faz planos, claro que faz, mas em questão de minutos eles se tornam névoa e se dissolvem aos poucos e algo sussurra aos seus ouvidos que você não é capaz, que é um fracasso e que levantar da cama nunca é uma boa ideia.
Você sente dor, ah, tanta dor. E não falo só da dor de estômago terrível que agora te arranha por dentro. Falo da dor mental, do peso de todos os medos e angústias.
O sol nasce e se põe e de repente o tempo parece abstrato, a vida parece um filme no qual você apenas encena como uma figurante qualquer. Nada acontece.
Eu sei que você pode ter passado por bons médicos que te disseram que vai ficar tudo bem, mas ainda assim a sensação é de que só vai ficar bem quando tudo acabar. A culpa te queima as costas e você pensa como é horrível e egoísta ser apenas um peso para todas as outras pessoas.
E quanto mais você sabe que precisa reagir menos você consegue. Quanto mais você quer, menos seu corpo te obedece. As vezes nem consegue chorar. Outras vezes chora por horas ininterruptas até os olhos estarem inchados e o corpo em chamas.
Nada acontece.
O sol continua nascendo e se pondo e quem é que vai nos dizer quando tudo isso tem um fim?
Nada acontece.
Nada.
Será que é mesmo verdade que, em algum lugar lá fora, existe alguém disposto a ouvir com atenção tudo aquilo que diz respeito às minhas mágoas mais íntimas? Alguém que queira entender como eu me sinto e que tente, mesmo que isso seja impossível? 
Ser neuroatípico me parece sinônimo de ser solitário. Não é a mesma coisa que ser sozinho, nem todos estamos sós. Mas ser solitário é se sentir incompreendido e isolado, e meus pensamentos desgovernados desacompanham o resto do mundo, me deixando totalmente avulsa. 
As vezes eu quero desabafar mas me engasgo com as palavras quando me lembro dos olhares vagos de indiferença. Quando me lembro de que ninguém nem tenta compreender o meu jeito de ver e sentir a vida. Mas aí penso se não é verdade que ninguém vai. E que não sei se conectar alguém a essa minha dor tão profunda seria possível; mais que isso: não sei se seria saudável.
Minha cabeça me controla de uma maneira cruel: num momento está tudo bem, e no momento seguinte ela me convence de que tudo foi uma mentira, de que todas as minhas palavras e atitudes foram ridiculamente erradas e/ou desproporcionais. E então ela manda o sinal de perigo pro meu corpo, que reage. Diarreia, vômito, mal estar, tontura. Vontade de chorar até que os olhos faísquem. Num momento eu estou me divertindo e de repente eu me sinto uma peça desencaixada, uma aberração forçando a barra para ser aceita, e tudo desmorona dentro de mim. Minha parte racional grita que a ansiedade é um bicho mau e está tentando minar minha sanidade, mas a outra parte fala tão alto que já não sei se a racionalidade consegue se fazer ouvir. Palavras e frases começam a se repetir interminavelmente na minha memória e parecem recheadas de erros, maldades, burrices grotescas. Eu não sei mais o que fazer.

Meu peito dói. Meu estômago queima.
Eu sei que não é de ninguém a culpa senão de mim mesma. Se eu me sinto só, é porque construí muros. Minha negatividade afasta qualquer pessoa. Se me sinto inútil, é porque me entrego a inércia de não fazer absolutamente nada pra mudar isso.
Nem sequer consigo mais me expressar com clareza. Me sinto descartada e inconveniente o tempo todo.
Depois de anos de tratamento eu sei bem que isso tem nome, mas ainda assim não consigo me livrar da culpa de não ser uma pessoa independente e autossuficiente. Eu sinto quando as pessoas me julgam, quando os olhares e as perguntas inconvenientes escondem acusações e críticas.
Continuo procrastinando todas as minhas obrigações e intensificando todas as sensações ruins dentro de mim. Me auto saboto. Navego nas paranoias que sei que são fruto do meu cérebro perturbado e confuso com a serotonina, mas continuo não conseguindo assimilar e me livrar da culpa. O choro vem, e dura horas. A apatia, os enjoos, a falta de apetite chegam junto e ainda assim nada disso parece ser um sintoma concreto pras outras pessoas. Acaba deixando de ser pra mim também. Me convenço, de novo, que a culpa é da minha preguiça ou da minha falta de maturidade. O estômago ainda dói. Eu nunca consegui enxergar um futuro, a ausência de sonhos me dá uma pancada quente nas costas. Eu sussurro pra mim mesma que basta esperar tudo terminar, mas a angústia é mais alta que meu pensamentos. Preciso de alguma coisa que me alivie, mas nada tem efeito, nada tem resposta. Me entupo de antidepressivos e tudo continua igual. Busco ajuda, busco compreensão, busco amor, mas já não consigo distinguir a realidade das minhas dependências emocionais. Paranoias. A carência é barulhenta no meu peito e me sinto totalmente abandonada.
Depressão, os médicos dizem. Mas nomear continua não resolvendo nada. Transtorno de Ansiedade. Transtorno do humor afetivo. Um monte de CID em um pedaço de papel, um monte de medicação na prateleira. E a desesperança no coração.
Eu quero chamar atenção, dizem. Quero mesmo. Quero tentar qualquer coisa. O desespero dói tanto que parece explodir, nem todo mundo entende isso.
Não tenho mais pra onde correr. Nada me parece bom e chamam de ingratidão, mas a verdade é que eu me sinto insuficiente, não o contrário. Sou insuficiente pra mim mesma, pros outros e pro mundo. E essa história não tem final feliz.