Bom, vamos começar do começo. E nele, quando eu tentar falar, você vai me chamar de dramática, exagerada, louca, pois é assim que as mulheres são taxadas quando tentam se posicionar nas mínimas coisas. Mas questão é: depois que se parte para uma jornada de auto conhecimento, principalmente com ajuda de uma profissional, se entende que existem vários níveis de controle e manipulação. E eu, depois de muitos traumas e privações, recentemente estou dando os primeiros passos para entender isso. 

Em um dia trivial você está viajando a trabalho e estamos nos falando pelo whatsapp. Eu te mostro a foto da minha nova tatuagem e você da caixa de som que colocaram pra tocar. Isso é quase novidade pra mim, pois quando estamos distantes você não se comunica muito comigo de maneira descontraída. Então eu te pergunto: "Amor, por acaso você sabe onde está o tripé da ring light:" , e você me pergunta por quê estou perguntando isso, e eu digo "porque não me lembro onde está". Você me diz "Está aí em casa" e eu espero, considerando que é uma brincadeira. Depois de alguns minutos, pergunto "você não sabe onde está?" e a resposta "não sei". Respondo então que tudo bem e você retruca "Pra quê você quer ela?". Eu digo "Não é dificil de adivinhar, quero tirar umas fotos da minha tatuagem, não precisa ser grosso." E você diz: "Eu sei onde está, mas agora não vou falar." Continuo achando que se trata de uma brincadeira, porém começo a ficar irritada quando se passam mais de 10 minutos. 17 minutos depois então eu digo, irritada e infantil, que não precisa mais falar comigo. Ainda espero que responda que é uma brincadeira, mas você começa a me ignorar, e eu, sem controle emocional nenhum, começo uma briga. Pergunto o que estava fazendo que não poderia responder as mensagens que estava lendo e você diz "Estou no posto Fênix".

Corta pra um dia anterior quando eu, depois de 2 dias muito dificeis, te mando uma mensagem dizendo que estou indo ao posto beber cerveja com um amiga. Depois de embriagada, minhas ideações suicidas e todos os transtornos psicológicos atacam. Dirijo por uma estrada escura por vários quantos km com o som extremamente alto. Volto pra casa e te mando uma mensagem claramente embriagada num tom um pouco agressivo dizendo que estou cansada de viver. Você ignora o perigo que corri e diz que estou bêbada. Tudo bem, estou mesmo, mas agora estou em casa. Nos despedimos.

E de novo na nossa conversa, você está em uma cidade totalmente diferente, e começo a te questionar o motivo de falar sobre "o posto" aleatoriamente no nosso assunto, e relembro como você sempre se descontrola de ciúmes quando eu vou a qualquer lugar que seja sem você. Inclusive sobre lugares e assuntos que são totalmente neutros ou corriqueiros. Então fico mais nervosa e a nossa briga se agrava. O que era uma briga extremamente boba chega no momento crucial de uma enorme bandeira vermelha:

"O que custava você falar pra que queria? Você é minha esposa e tenho DIREITO de saber".

Teria sido mais fácil se eu, no começo da conversa, simplesmente tivesse dado satisfações a você do motivo -mesmo quando te percebi hostil-. Encerraria o assunto e evitaria uma discussão. Mas pense bem: para homens nunca é claro o quanto o controle e a violência podem começar sutis, pois a eles é natural e estrutural que seja assim. E mesmo que no momento não tenha entendido entrei na defensiva. E fui chamada, olha só, de "louca". A discussão continuou até chegar em palavras que não devem ser ditas um ao outro. Me culpei por ter comprado uma briga "atoa". Com um pouco mais de calma, revisei as mensagens no aplicativo, e finalmente entendi. Era uma chantagem. Sim, uma chantagem. Parece ridículo? Não para uma relação em vias de ser abusiva. A chantagem consistiu em usar seu conhecimento (onde está item x) para ter controle sobre itens ou situações privadas (o que eu iria fazer com aquilo). E aí eu te pergunto, você como marido, tem direito de ser dono do que eu faço ou deixo de fazer? Tem direito de me proibir (invibializando o meu uso) com condições de que para permitir deveria controlar os motivos e as intenções? Você usou as armas que tinha. É sutil. Começa assim. Poderia ser exagero? Seria, se infelizmente não fosse uma realidade tão forte e tão reincidente com mulheres em todo o mundo. Talvez você já conheça a história da rã e da água fervente - se joga uma rã em uma caldeira com água fervendo, ela com certeza vai pular para fora na mesma hora. Mas se a joga numa água em temperatura agradável, e vai gradativamente aumentando, de maneira que não seja uma mudança brusca, ela vai ser cozida até a morte. - Conseguiu entender? Todo abuso começa de maneira sutil. Nenhuma mulher vai achar uma delícia ficar com um homem que, logo de cara, a agride, a cerceia, a controla, a isola. Ela vai fugir. Mas um relacionamento pode começar agradável, ter muitos e muitos momentos felizes que a façam ficar. E é esquentando a água aos poucos que o ciclo se perpetua. Os sinais são discretos, vem aos poucos, e até que se manifestem de maneira mais clara o ciclo já está em curso. Estou tentando aprender que minha liberdade não se negocia; nem mesmo pela paz de "evitar uma briga". Todos os relacionamentos que tem uma bandeira vermelha vão se tornar agressivos fisicamente? Não. Alguns fisicamente, alguns verbalmente, alguns vão envolver manipulação, estupro, isolamento, alguns todas essas coisas juntas. Excessões? Claro. Raríssimas. Mas não o suficiente para que uma mulher, ao ver um sinal de alerta, deva ignorar.

Ain, Solange, mas você fez todo esse auê por causa de um tripé de uma ringlight? Não, meu querido. Eu fiz por todas as vezes que fui calada, silenciada, abusada, traída, agredida. Eu fiz pelos traumas que todos os homens que passaram por mim causaram, inclusive você. Não negocio minha liberdade e minha autonomia.