Presente

Vê aquele cara na fila da livraria? Aquele, com um livro de romance nas mãos, batendo o pé freneticamente pra espantar a impaciência, de camisa gola pólo vermelha e um cordão dourado com pingente de ferradura?
Viu?
Ele odeia livros de romance. Na verdade, ele não gosta muito de ler. De longe, observo o olhar dele percorrer os marca textos, os post its, as canetinhas. Sei que nada daquilo o chama atenção. Mas ainda assim ele olha tudo, puxa um marca páginas com um desenho bonito e enfia desajeitadamente entre as páginas.
Eu ando disfarçadamente por entre as prateleiras e o ouço conversar com alguém. Paro para admirar aquele sorriso e escuto ele dizer, cheio de orgulho, que a namorada dele é muito inteligente e ama ler. Que ela leria um livro por dia se tivesse tempo e que está ali por ela. 
Aquele livro que ele segura é pra mim.
Não olha pro meu rosto agora, meus olhos estão um pouco molhados, deve ser o tempo, talvez o ar condicionado. Olha pra ele. Repara o jeito surpreso como ele me abraça quando me vê, coloca o livro nas minhas mãos e me dá um beijo rápido na testa. Será que você enxerga o mesmo que eu? Será que vê nos olhos dele o mesmo amor que ele me faz sentir?
Tá, pode dizer que eu sou mesmo uma manteiga derretida. Mas meu namorado é o cara mais lindo do mundo inteiro.

Cotidiano

A minha cachorrinha de estimação dá o alerta. Primeiro, um latido, depois, um resmungo choroso, e então vem correndo e, abanando o rabo, chora, lambe meus pés e corre em direção ao portão. Eu sei quando ela sente seu cheiro, ela sente sua presença muito antes da sua chegada, e, anúncio dado, eu corro para o portão com um brilho inconfundível nos olhos.
Eu gostaria de poder descrever fielmente a sensação de conforto que o seu cheiro me dá. Uma mistura cítrica da lavanda da sua roupa e da excentricidade do seu perfume que me embriaga e me faz flutuar. Descrever como qualquer lugar parece meu quando durmo enroscada nos seus braços e como não tenho medo de nada quando você segura minha mão. Às vezes chega a ser doentio a maneira como a minha saudade se manifesta, desesperada, mesmo quando você está por perto. Me faz pular no seu colo no meio de uma faxina e beijar sua boca com paixão.
Eu nunca soube antes como era dormir ao lado de alguém, dia após dia, sem medo do amanhecer; Acreditava ser normal padecer de ansiedade pela partida de um cara que nunca ficava depois que o dia nascia. Aceitava, conformada, o pavor das quintas feiras, dos sumiços repentinos, do abandono. Mas agora não tenho palavras suficientes pra explicar a felicidade de partilhar meu cotidiano com o seu sem restrições, sem regras, sem traumas.
Você faz parte da minha vida de uma maneira única, e essa intimidade gostosa me surpreende a cada dia nos mínimos detalhes.

A conta

E quantas vezes você já fez ela chorar? Quantas? Muitas? O mesmo número de vezes que você fez comigo? Ou apenas o suficiente pra traumatizar ela pra sempre?
Confesso que atualmente tem algumas coisas horríveis dentro de mim, mas afirmo que foi você quem despertou a maioria delas. Eu nunca havia odiado ninguém. Não, nunca mesmo. Nem mesmo suas peguetes ou pessoas do meu passado que me magoaram muito. Mas aí você se esforçou um bocado pra me humilhar e anulou em mim qualquer resquício de empatia por pessoas do seu caráter.
Você não se dá conta, rapaz, mas é um lixo. Foi comigo e pior ainda com todas as que passaram antes. E está sendo com ela também, mesmo que negue, que me culpe e diga que só fez aquilo comigo porque eu deixei. Ninguém tem o direito de se aproveitar da ingenuidade alheia, e qualquer um que o faça, é um babaca. Talvez ela não seja tão ingênua como eu fui, mas a sua falta de caráter não vem de ninguém além de você mesmo. Pode ser que ela ainda ache que existe algo bom em você, talvez enxergue com a neblina da paixão, assim como eu enxerguei, mas um dia ela vai se dar conta das coisas que demorei anos pra perceber, vai te ver sem máscaras e quem sabe seja tarde demais pra ela. E, acredite, eu não quero vê-la chegar nesse ponto.
Mas não se ache único. Assim como você, 'tá cheio de outros por aí, eu sei; e isso só me faz ter ainda mais raiva. Uma multidão de mulheres sendo exploradas psicologicamente por canalhas como você e eu só queria não ter que ver, nunca mais, nenhuma delas passar por isso. E agora eu decidi que vou enviar a conta pra você.
Sei que já faz um bom tempo, mas o ódio é um veneno perigoso, rapaz. E eu não vou morrer sozinha envenenada por ele. Não vou deixar você jogar nas minhas costas o preço dos seus atos. E também não vou deixar que elas paguem pelos seus erros. Você vai pagar. Vai pagar caro por eu já estar pagando tanto.
Eu não era ruim antes de te conhecer. Você me tornou essa pessoa áspera e vingativa. E a conta por isso vai chegar também.