Liberdade

Esperei anos pra ver você voltar pra mim. Longos e tortuosos anos mantendo a esperança viva e evitando acreditar que minha melhor amiga tinha ido embora pra sempre. E então, numa tarde quente de sábado, você me ligou em prantos, e eu soube que tinha acontecido. A sua ficha tinha caído. Eu sabia que tava doendo pra caramba enxergar de novo a luz do sol, e fui correndo segurar sua mão, mas não disfarcei o sorriso quando você mesma bradou com força e propriedade que estava livre.
O cativeiro afetivo ainda é realidade de milhares de mulheres mesmo nos dias atuais, em meio a uma luta fervorosa do feminismo. E eu assisti de perto você ser vítima dele, se submetendo aos caprichos doentes de um machista qualquer, se rendendo à regras absurdas impostas pela pressão psicológica a qual era submetida. E eu fiquei ali, impotente, continuando esperançosa mesmo quando doía tanto em mim que eu só pensava em desistir. Eu já passei por isso também, embora por um tempo significativamente mais curto, e talvez seja esse fato que me manteve aqui, que manteve acesa a minha empatia mesmo quando seus atos me traziam irritação.
E num dia qualquer todo esse seu processo de libertação finalmente se concluiu. Pisquei algumas vezes pra ter certeza de que não estava sonhando e depois que seu pranto cessou eu saí pra te reapresentar ao mundo. Te abracei forte pra te reapresentar pra mim. Seu coração havia voltado a bater, seus cabelos cheiravam à vida. A fria barreira de gelo que nos separava finalmente pareceu ter ido embora pra sempre.
Obrigada por voltar, minha pequena, tava tudo muito triste sem você aqui.

Esse clichê é pra você

O dia a dia vai trazendo intimidade e seu conforto me parece cada vez mais essencial; Sua presença se tornou tão natural que tenho medo do efeito da sua ausência. Há quase seis meses você comprava o meu pão pela primeira vez e eu sequer imaginava que você tinha vindo pra ficar -de verdade-.
Nós não temos medidas, passamos dias dormindo e acordando do lado um do outro sem vontade de nos afastar. Às vezes, ao acordar, nos espreguiçamos juntos, desejando que o relógio nos dê uma hora a mais pra ficarmos ali abraçados e imóveis... Outras vezes, assim que abro os olhos, você já está de pé e diz com naturalidade "Bom dia anjo, tem toddynho na geladeira", e eu sorrio de maneira infantil enquanto te admiro.
Nos domingos, nos arrastamos pelo carpete da sala como se tivéssemos esquecido como ficar de pé; Criticamos os filmes, você resmunga por ter que assistir suspense, eu te belisco por contar o final da história. Nos beijamos, nos abraçamos, e vez ou outra travo uma luta que já sei que vou perder só pra te ver segurar com força os meus braços e rir alto da minha insistência. E tudo isso me faz sentir extremamente leve.
Eu sei que nada disso faz muito sentido porque vivo dizendo que não temos nada em comum, desmontando em insatisfações cada pedaço dessa nossa história, mas entenda que meu amor é assim: desarrumado. Ilógico. Inseguro.
Eu me apaixonei por você desde a primeira vez que te vi, e duvidei que pudesse existir um clichê tão patético na minha vida. Naquela noite dormi encantada pelos seus olhos, pelos seus gestos, pelo seu português embaraçado de portugal, mas não quis admitir isso, nem pra mim mesma. E naquele mês que se seguia eu tentei fugir disso de todas as maneiras que consegui. Mas não deu pra fingir que não 'tava acontecendo nada e que eu não queria você em todas as minhas festas malucas. Porque eu queria, anjo. Eu queria mais que tudo. E o que me trouxe até aqui é que você queria também. E agora, todo esse clichê é pra você. Os atritos existem, é verdade, mas dia a dia estamos aprendendo juntos a contorná-los, e é por isso que eu não tenho mais vergonha de ser pateticamente romântica. Porque estamos juntos. Juntos até pra sermos ridículos. Até pra sermos grudentos. Juntos pra valer.