Amigos

Eu me rendo aos antigos clichês. Sim, amigos são anjos. Passei tanto tempo sozinha que havia esquecido o valor de uma boa companhia. Passei tanto tempo perdida e agora é tão bom saber que me encontrei.
A casa cheia, o barulho, as vozes, a música. O ambiente trazia uma euforia intensa, a vida reluzia naquele copo colorido e dentro de mim só existia alegria... O antigo vazio de sempre não estava mais lá. Eu não estava fugindo de mim, eu não precisava. As luzes brilhavam na parede e as pessoas sorriam verdadeiramente. Eu sabia que não estava sozinha, não mais. Com a vista um pouco embaralhada pelo álcool eu via olhares transparentes e livres de julgamentos. Eu estava segura.

Espelho

    Eu vi nos seus olhos o reflexo da pessoa que eu era -Que já fui, ou que ainda sou, não sei- ,mas vi eles implorarem por atenção num pedido mudo de socorro, saltando das órbitas brilhantes de lágrimas e pousando, angustiados, sobre o meu olhar. Vi em você os gestos desesperados movidos pela necessidade absurda de ficar ao meu lado. Uma estranha queimação me invadiu o peito ao te ver ali, num impasse, e ler na sua expressão a razão te mandando ir embora e sua carência te paralisando.
   Eu tentei, juro que tentei não deixar transparecer o quanto aquilo me incomodava, mas você percebia quando meu olhar vagava longe, e isso te feria tanto, que me feria também. A reciprocidade não tornaria esse sentimento saudável, mas traria menos angústia para ambas as partes. Mas eu não conseguia querer você na mesma intensidade. Só conseguia lembrar incessantemente de cada uma das milhares de vezes que supliquei por ficar ao lado dele, que fiquei paralisada pelo medo de me afastar, que sofri pela insistência que meu sentimento causava. E quanto mais me via em você, mais me sentia culpada e as lembranças doíam em mim. Preferia não saber como essa sensação é cruel, preferia não me importar e te deixar ir. Mas acatei o seu pedido e adormeci ali, no sofá, enquanto você apenas me olhava, hipnotizado.
     Sei que você me queria, mas não podia te dar um beijo que não te pertencia. Não podia te oferecer desejo, e prometi não oferecer nada pelas metades, e não o fiz. Sei o quanto quis me tocar, mas permaneceu ali, imóvel, regularizando a respiração.
Você disse compreender, mas sei que não aceita. Será que você entende que nunca quis ver ninguém se sentir assim por mim? Durmo e acordo com essa culpa, como se estivesse sendo responsável agora por tudo que passei no passado. Não quero mais ver você porque não quero ter que encarar as feridas antigas. Quero poder esquecer, seguir em frente, e você traz as lembranças tão vivas...
     Espero que você me perdoe, assim como espero que eu possa me perdoar também.


Aquele olhar, aquela presença, eu não conseguia assimilar. Era como se eu tivesse tido a chance de te ter de novo sem o peso do nosso passado. Somente quando amanheceu é que me dei conta de que não tinha sido real. Ele tinha sua expressão, mas não era você. Ele me olhava daquele jeito e quase tinha o seu cheiro... No escuro, o contorno da boca me confundia, eu me perdia, me prendia, e os olhos me hipnotizavam e me levavam pra um tempo confuso entre o passado e o presente. Mas não era você. Ele nada tinha a ver com o passado turbulento que vivemos, mas aquela imagem estava carregada de lembranças e eu não podia lidar com isso. Quando amanheceu, eu o deixei ir, junto com esses fantasmas.

Seguindo

Eu me afastei de pessoas que faziam parte do meu cotidiano e, mesmo sendo julgada por isso, tentei ser o mais egoísta possível por questão de sobrevivência. Eu segui em frente e tudo ficou tão em paz que acreditei que estava pronta pra tudo, inclusive retomar uma vida que há muito tinha deixado pra trás, e carregar nas costas um peso que já não me pertence mais.
Por um segundo eu quase voltei. Quase enlacei meus pensamentos nas âncoras do passado. Quase dei um nó. Estive com um pé na ponta do abismo e, meu Deus, eu quase pulei. Talvez não tenha diretamente a ver com ele, ou talvez ele seja uma ponte, não sei. De qualquer forma chegar tão perto do passado me fez entender o quão acertadas foram minhas escolhas de agora.
Todas aquelas pessoas e todos aqueles lugares fazem parte de um pesadelo que não quero reviver.
O que sinto por ele... Bem, isso não é mais algo que me atrapalhe. Meu sentimento é tão mais bonito agora. Mais puro, mais leve. Eu guardei tudo numa caixinha no fundo do peito, e lembrar dele todos os dias já é uma rotina com a qual aprendi a lidar.
Eu posso amá-lo na minha vida nova e isso me deixa muito mais em paz.
Eu voltei pra minha zona de conforto. Eu tenho meus amigos e minhas histórias. Tenho as pessoas novas que mexem comigo de uma maneira menos intensa. Tenho ele na cabeça também, o tempo todo, mas não quero lutar contra isso. Apenas continuar sem olhar pra trás.

"Há quem diga que quem anda só é melhor do que ao lado de quem não me quer bem. (...) Vou tomar o caminho mais reto, vou seguir direto até onde eu quiser. Vou levar esse amor solitário tranquilo e na boa até onde eu puder. Veja só, eu podia estar ao seu lado... Mas não deu."

Quando o amor vier...

Foi um choque perceber que, de repente, eu estava cheia demais de mim pra que alguém pudesse entrar sem bater. Confesso que esperava o de sempre: verter qualquer romance em oxigênio, e mergulhar fundo em qualquer sentimento raso. Esperava a tentativa desesperada de fugir de mim na primeira oportunidade viável. Tive, sim, meus devaneios e transformei encanto em poesia, mas encanto é só uma nuvem bonita que passa no céu: daqui a pouco já mudou de forma, de repente sumiu e só o céu azul. Romances superficiais não podem mais me tomar o que construí de tão concreto em mim. 
Surpreendentemente veio a leveza, a calma, o sorriso; e eu me assustei quando dessa vez eu escolhi partir. Sem peso, sem culpa, sem medo.
Por muitas vezes minha angústia me obrigou a ficar mas agora eu sou dona de mim, e é tão bom poder fazer as próprias escolhas, finalmente.
Você pediu: "Fica.", mas eu havia prometido que nunca mais ficaria pela metade, e não ficarei, tente entender. 
Eu não deixei de sonhar. Sim, um dia eu vou ficar, é claro que vou. Em algum lugar, com alguém que me faça sorrir. Eu vou pular quando o sentimento me der asas. Quando o amor bater em minha porta, sim, eu vou abrir. Mas se for só brisa, aceite, eu apenas vou fechar a janela.  
Poucos vão ler o texto até o final, mas sabe aquele momento em que você precisa desabafar? Então entenda: eu não quero confidenciar isso pra um amigo. Eu quero gritar pro mundo. Esgoelar. Espalhar por aí que esse aniversário é um dos mais importantes da minha vida porque eu nunca estive tão feliz. Eu, que sempre reclamei de tudo, hoje quero agradecer. Agradecer às pessoas que chegaram comigo até aqui. Meus amigos, minha família. Pessoas que me aceitaram do jeitinho que eu sou, que me fizeram sorrir de verdade, aquele riso frouxo de quem está em paz e em boa companhia.
Hoje eu quero gritar que eu tô bem. Tô bem de verdade, e pra quem duvidou que eu me reergueria, olha pra mim, estou de pé, mais firme do que nunca.
Aos 23 três anos de idade eu redescobri a vida. Eu conheci a vitória. E só tenho a desejar que a vida me permita tantos outros aniversários incríveis assim.
Parabéns pra mim 