Culpa

É estranho observar a maneira você parece precisar a todo custo se expurgar da culpa. Em mim ainda existe aquela velha sensação de que suas palavras são apenas um pretexto pra que você confirme se realmente foi marcante na vida de alguém, mesmo que de forma tão negativa. Não sei definir de que maneira o seu orgulho entra nessa história.
É extremamente confuso observar você dizer que sente muito. Eu senti muito, por muitos anos, enquanto você não sentia nada. Senti tanto a ponto de querer morrer ou matar. Senti amor, sim eu te amei. E senti ódio, como se nunca mais fosse ser feliz se não pudesse te fazer infeliz. Isso te diz alguma coisa? Isso te faz sentir muita culpa, muita tristeza ou muito orgulho? Bom, mas tudo bem, isso não importa mais. Não importa porque eu te perdoei. Sim, perdoei, precisei perdoar muitas pessoas para poder seguir em frente. Foi quando aprendi a lidar com todos os fantasmas que me assombraram por alguns anos que eles finalmente se foram permanentemente.
Então não espero que entenda o fato de eu não querer suas justificativas, pois precisei passar por todas as etapas para não continuar transformando tudo que passei em uma bola de neve, e esse caminho eu trilhei sozinha, não posso mudar o passado. Se você não vê intensidade do seu ponto de vista é pelo fato de que você não a viveu. Talvez você não entenda a gravidade mas eu precisei conviver concomitantemente com a depressão, o pânico, a ansiedade e com você. A história tem dois lados? Tem, mas também não muda o fato de que eu vivi coisas que jamais conseguiria descrever nem em mil textos. Quem sabe tudo tivesse sido diferente se eu não viesse de uma realidade doente, mas não foi. Essa é a minha realidade.
Se eu te acho um monstro? Não mais. Essa etapa também passou. Eu sei que em você, assim como em qualquer outra pessoa no mundo, há qualidades e defeitos, e sei que o tamanho do meu sofrimento foi circunstancial, não foi exclusivamente culpa sua. Mas isso não é suficiente para desfazer todo o mal que você me causou, consciente ou inconscientemente. Eu posso perdoar e compreender, mas jamais vou poder esquecer porque a minha realidade vem de dentro, vem do que passei, do que senti, principalmente.
Superar um trauma é possível. Sim, a gente supera, segue em frente, para de sentir aquela mágoa paralisante. Mas esquecer é uma outra história. É fácil pra qualquer um que não tenha vivido nada semelhante julgar a forma como lidamos com nossos medos e nossas lutas, mas eu acho que cada pessoa tem seus próprios métodos de aceitar as próprias vivências. Você pode encarar de uma maneira diferente meu sofrimento, e tá tudo bem.
No fim das contas eu acho que a pior parte de tudo que passei é ainda acordar as vezes com medo dentro de mim.
Mas a melhor parte é que todo o caminho que eu trilhei me trouxe até aqui. E eu estou bem onde estou, estou bem com a pessoa que me tornei. Eu consigo amar intensamente. Ver a morte de perto por tantas vezes me fez entender a vida de uma maneira que ninguém mais vai. E essa é a minha história, não a sua. Não posso reescrever o papel que você teve nela.
Essa culpa realmente existe? Se ela existe, ao invés de tentar se justificar, eu espero simplesmente que você possa se perdoar também.