Ás vezes eu queria pular os dias. Como se pula de fase em um jogo de crianca, ou de música durante uma viagem; então tomava uma dose de calmante suficiente pra dormir por horas.
E assim eu ia perdendo meu tempo, vendo as semanas se transformarem em meses e aquele vazio sem vida dentro de mim perdurar.
Fugir da dor se tornou um vício persistente e covarde e eu não sabia mais encarar a realidade. Criei um mundo paralelo. Acentuei minha solidão e criei um mundo particular cheio de nada.

Havia mais de dez anos que eu não assistia filmes de terror. Nem de suspense, nem nada do gênero. A minha lembrança do medo era viva. O medo do medo me dominou durante todo esse tempo. Me recordava das noites sem dormir e das percepções distorcidas. Dos vultos e dos barulhos noturnos acelerando meu coração.
Hoje assisti um filme de terror, depois de tanto tempo. E não tive medo do filme. Descobri que tenho medos muito mais constantes, muito mais intensos, duradouros e reais. Aliás adorei assistí-lo para tentar mascarar meu desespero, e isso sim me assustou um pouco. Hoje meus medos são tão maiores que ocultam qualquer medo ingênuo de criança. Hoje a minha pureza de não gostar de filmes de terror acabou. E descobri que agora sou ainda mais medrosa que há dez anos atrás, porque hoje é tudo cruel. Hoje é tudo real.

Sinto fome mas não consigo comer. Sinto sono e não consigo dormir. Me sinto mal deitada, e me sinto mal de pé. Me sinto mal sozinha e no meio da multidão me sinto pior. Quero sorrir mas não consigo. Quero a cura mas não encontro.


É sábado a noite, e eu estou em casa. Não mais tão aflita como nas primeiras semanas, mas algo ainda me incomoda. É sábado a noite e há tanta vida lá fora e eu aqui dentro com a minha solidão. Tem os papéis, a TV, a agenda, o celular, o computador e os remédios. Mas não tem sorrisos e nem diversão. Só um vazio. Ao menos o desespero diminuiu, mas é tão insosso viver assim.
Lá fora, agitação, aqui dentro, calma. Lá fora, companhia, aqui dentro, solidão.
E se fosse meu aniversário, quem eu convidaria pra comemorar? E quando for meu aniversário, pra quem eu poderei ligar?
Aqui dentro, isolada; eu, ilha.
E nem sei se fui eu que cavei esse abismo à minha volta.

Sozinha em casa, assistindo comédia romântica, comendo pipoca e brigadeiro. É, é um dia triste, e apenas procuro um método clichê de enganar a solidão. Cansei dos meus métodos insanos e destrutivos. Afundada em meio as pelúcias, choro e finjo prestar atenção ao filme, cheio de casais felizes e casamentos perfeitos. Talvez seja mesmo mais fácil me comportar apenas como uma adolescente com dor de cotovelo e nada mais.
Jogo a culpa de toda minha tristeza no final de mais um relacionamento, me afundo ainda mais, um soluço, e só espero o amanhã chegar.

Ela: Eu não sei mais o que fazer, não sei mais se consigo continuar.

Ele: Me perdoa. Eu fui tudo o que você não quis que eu fosse, menos o que você mais quis.


Dor de cotovelo (?)

Não me interessava mais quem ele era agora. Me interessava o que ele não foi quando estava comigo.
Ele estava usando aquele moletom despojado que eu sempre quis que ele usasse e nunca era atendida. Nos pés tinha aquele sapatênis com o qual eu quis presenteá-lo e ele rejeitou. Não me interessa o porque e nem a impressão que ele vai causar, interessa a mágoa que eu sentia ao me esforçar para vê-lo assim e ele se negando. 
Agora ele era tudo que eu quis que ele fosse quando estava do meu lado, e faz tudo o que me negou durante os longos anos de relacionamento. Me magoou tanto só pelo prazer de se opor a mim. Agora ele vai a todos os lugares que eu abri mão de ir porque ele não gostava, vive todos os sonhos que ele roubou de mim.
Por mais que o amor tenha chegado ao fim, e tudo se anulado, as mágoas e os traumas nunca poderão ser apagados de dentro do meu peito.
Dor de cotovelo? Tanto faz. Chamo de ódio. Ódio por ter me anulado e perdido tantos anos da minha vida. E por ter me torturado tanto em nome de nada.

Eu tive meus sonhos roubados. Tive as minhas fantasias anuladas, uma a uma.
Acreditei que o romantismo que eu tinha dentro de mim era imaturidade, e me desvesti dele pouco a pouco. Me fizeram acreditar que a magia que pulsava em mim também era, e fiquei totalmente nua de encanto.
Abandonei tudo que fazia os meus olhos brilharem, me privei da felicidade de ser eu mesma, vesti uma máscara de apatia.
Desacreditei muito cedo de relacionamentos, e acreditei que minha única opção era ser infeliz com alguém.
Eu nunca beijei na chuva.
Nunca fiz um piquenique a dois. Sonhei noites intermináveis com o beijo que nunca aconteceu.
 E quis aquela tarde por tanto tempo, até deixar de gostar das tardes de domingo.
Tomei como verdade única a solidão. Acreditei que duas pessoas não se divertiam juntas, apenas na companhia um do outro.
Odiei dia dos namorados, feriados e aniversários de namoro. Nunca planejei casamento, filhos, cachorro. Nunca perdi a hora conversando com alguém.
Eu tive meus sonhos roubados, e achei que tinham me roubado o direito de ser amada.
Hoje eu sei que amor não é imaturidade, e luto pra recuperar a magia, o encanto e a felicidade de libertar quem eu realmente sou.
Será que é muito tarde para sonhar com a próxima chuva?

Eu andava pela casa e ela saltitava atrás de mim. Eu parava pra fazer uma coisa qualquer, e ela se deitava sobre meus pés. Era lindo o jeito que ela lambia os meus dedos e me olhava carente, enquanto abanava o rabo pra lá e pra cá. Eu continuava andando e ela rebolativa atrás dos meus calcanhares parecia nunca se cansar. Eu me agachava e fazia um afago, e mesmo com as suas mordidas insistentes em minhas mãos eu sabia que ela tinha um amor imensurável e era sua forma de demonstrar carinho. Entre uma mordida e uma lambida, ela me olhava com ternura, e eu derretia fácil com aquele olhar.
Ela não gostava de ficar sozinha. Eu me deitava no sofá e ela se deitava ao meu lado, no chão. Ela não dormia num cômodo vazio. Ela era um bebê, fofo e dependente, e eu me sentia privilegiada por poder cuidar dela.
As vezes eu me esquecia de que ela era um animal, em alguns momentos eu até achava que ela era humana. Inteligente e amorosa, eu me confortava com os suspiros dela enquanto dormia.
Eu não gostava mais de ficar sozinha. Queria a maciez da barriga dela encostada no meu colo, queria os latidos agudos irritantes enquanto ela achava que meu pé era o inimigo. Ela era um ser feito de amor, e eu queria a cada dia mais aprender com ela.

'Você chora demais', ele disse.
Sim, eu choro demais. Demais, além do que deveria, além do que posso suportar. Se ele pudesse imaginar como cada lágrima me dói, como cada choro me mata um pouquinho... Se ele soubesse como me torturam as lembranças, quando me deito pra dormir, de cada crise de choro... Uma por uma. Se ele entendesse a gravidade de cada choro, mesmo insistentes e inacabáveis... Sim, eu realmente choro demais, eu merecia chorar menos, merecia sofrer menos. Ou não. Mas deveria chorar menos.
Certa vez presenciei uma discussão entre meu pai e minha mãe; ela estava sofrendo de depressão e passando por diversos transtornos psicológicos parecidos com os meus. Eu ouvi quando o tom de voz dele se alterou e ela desabou. Chorava a ponto de soluçar. Ele bravou: 'Você parece uma casquinha de ovo! Não se pode tocar que está desmontando, que está em prantos, que dá crises!'
Eu não podia compreender um terço do que se passava, me irritava com os gritos e me magoava com a situação, mas não podia compreender. Mas de alguns anos pra cá, martelam diariamente na minha cabeça as palavras do meu pai, casquinha de ovo, casquinha de ovo. Hoje sei bem o que se passava. Como deve ser difícil lidar comigo! Me sinto a cada dia mais ridícula e mais insuportável.
'Não queria que chorasse tanto', ele continuou.
Eu também não, acredite - pensei - mas não respondi. Me pareceu um remendo desesperado na tentativa de me confortar, ele sentiu que poderia me deixar pior (tudo me deixa pior!).
Sinto que incomodo com meu choro sentido brotando a cada palavra alheia. E sei que vou acabar afastando todas as pessoas com meu pessimismo e minhas lágrimas insessáveis. Sei que vou cansar a todos, como cansei os que já passaram e se foram.
Sofro em dobro. O choro é apenas uma reação de tudo que me maltrata por dentro, mostra que sofro a ponto de transbordar. E sofro por sofrer, sofro por deixar transparecer meus sentimentos ruins. Sofro por não ser forte o suficiente para barrar tudo isso e manter só dentro de mim. Sofro por afastar tanto as pessoas que eu mais queria por perto. 

"E toda dor vem do desejo de não sentirmos dor..."  
(Renato Russo)

"Já escrevi sobre tanta coisa, tantas vezes. Ja me declarei mais de uma vez pra mais de uma pessoa. Já tentei tocar o coração de alguém só escrevendo. Mas, porque eu faço isso?
Pessoas como eu são sozinhas por uma razão: Ninguém nunca vai nos entender mais do que as palavras que escrevemos(...)Digo que vou embora mas estou sempre por perto vendo o mundo pelas lentes da minha camera magica. Nós vivemos e nós morremos. Dados à fé e ao medo. Quando o meu tempo acabar, para onde eu vou a partir daqui? São as coisas que penso quando questiono o que melhor posso fazer pela minha vida. Não de imediato. Porém às vezes a gente precisa fugir de nós mesmos para nos encontrarmos.
Em outros tempos. Em outras vidas."



Cara limpa ou nada

"Talvez ele não seja melhor, talvez até seja pior. Talvez ainda não seja ele, quem sabe pra sempre seja você. Mas ele me liga sóbrio e é assim que eu gosto: cara limpa, cara a tapa. Ele não precisa sair de si pra lembrar de mim, não precisa de dose de coragem pra ser meu. E eu não preciso ter que acordar de madrugada ou ir dormir tarde pra ouvir sua voz. Percebe? Minha opção foi múltipla escolha e as alternativas eram bem claras: Alguém ou ninguém. Não hesitei, chega. Guarda tuas desculpas, economiza teus argumentos. Não tenta me convencer que o problema é comigo, para de me fazer sentir culpada por não estar num bar qualquer numa sexta de madrugada. Porque eu passo só os domingos, segundas e todos os outros dias. E isso é culpa sua, então não inventa mais culpas que entre nós não cabe mais. Acontece que eu cansei do teu senso de humor arrogante, do teu jeito prepotente de se impor sobre mim e dizer, sempre em tom de brincadeira, o quanto é bom e as suas críticas entre uma piada e outra. Não dá mais pra eu ficar toda feliz com um elogio teu, sempre raros ou quase sempre subentendidos. Não tenho mais paciência pra esperar você parar de reclamar de saudade e vir me ver. Se você não quer perder essa mania de só me dar valor quando tá me perdendo, eu vou cuidar de fazer você dar valor de vez. Não monto mais meus planos e compromissos baseados em você e seus horários sempre cheios pra mim. Bem-vindo ao segundo plano e faz valer, porque do jeito que as coisas andam, fecho minha agenda pra você também. O cara novo, de uma semana, tem prioridade. O de um dia tá na sua frente também e os que eu ainda nem conheci. Tenho elogios, ligações e espaço em agendas todos os dias, nunca se esqueça disso! Você não quis que fossem vindos de você, amém. Mas eu, ainda assim, tenho tudo isso e mais, todos os dias. E nunca mais vou me esquecer também."




É tão difícil viver inconscientemente me culpando por gostar de você. Me culpando por cada minuto que me sinto bem do seu lado. É complicado viver me freando e me policiando sempre, tentando barrar qualquer euforia por estar com você.
Hoje só quero lembrar como esses dias foram bons, independente de como serão os próximos...