Era o dia seguinte. O dia depois do sonho ruim, que durou anos. O dia seguinte da minha saída da sala de eterna espera, da desistência de ser atendida. Era o dia depois de amanhã, depois do amanhã que nunca chegava. Acordei nesse dia, simples assim. Com o sol entrando pela janela e clareando todos os medos embaixo da cama, com o vento levando toda a sujeira embaixo do tapete. Era o dia do recomeço, do começo do fim e do resto da minha vida. Da minha paz. Dormi, como sempre, esperando que tudo passasse e nessa noite realmente passou. Acordei sem sangue, sem curativo, com uma pequena cicatriz. Pude levantar sem algemas, lavar o rosto sem maquiagem, olhar pra trás sem sentir dor. Era data de faxina, apagar fotos, jogar fora cartas, me livrar de qualquer prova que pudesse ser usada contra mim num dia banal de saudade. Exclui telefones, fiz questão de esquecer datas. Não tinha pontada no estômago, preocupação, agonia, arrependimento. Tava tão vazia, que não sai andando, flutuei. Bom dia, mundo. E os olhos doeram, como quem passa anos numa caverna escura e, de repente, tem contato com a luz. Mas logo se acostumaram, com um alívio de quem volta a ver. Como quem volta a reparar nas flores. Flores que você nunca me deu. Lembro e sorrio, pensando no teu “Te ligo!” e em como isso nunca aconteceu. Gangorra me enjoa e pra não vomitar, te deixo sozinho, brincando de castigo com alguém nunca melhor do que eu. Vê se não fica triste, porque toda a solidão que existe nunca vai superar todo o tempo que você me enlouqueceu. Fica bem, fica sem, porque acabou o jogo, camisa de força pra mim já virou roupa básica e decorei todas as suas desculpas clássicas pra me deixar esperando até o fim. Sou louca, livre, sou minha e hoje é o dia de viver pra mim.





Tenho que admitir: quanto mais se aproxima o reveillón, mais ansiosa e angustiada eu fico. Tantos anos vieram e se foram e tudo continuava igual. Será que em 2015 existe algo para me surpreender? Será que em um novo ano, dessa vez eu realmente serei uma nova pessoa? 

Que venha 2015, em nome de menos angústia e mais realizações.

Eu acordei e me vesti enquanto pensava: real ou ilusão?
Aquele sorriso malandro pairava na minha memória. É divertido conversar com ele e faz com que eu me sinta bem. É engraçado como o tempo passa rápido e, mesmo podendo falar sobre meu problemas, eles parecem não existir.
Enquanto escovava os dentes pensava na cara de malícia, nos olhos de maldade daquele guri. Penteando os cabelos, pensava se era o começo de uma grande amizade ou de um grande encantamento.
Eu me sinto em paz na companhia dele. Eu conto as horas para contar pra ele sobre aquele filme maneiro que eu assisti, ou sobre como me senti bem durante o dia. É uma pecinha de encaixe preenchendo um lugar vago aqui dentro. Dividindo espaço com meus sentimentos, meus pensamentos, minhas tristezas e minhas alegrias, com quem eu sou. Uma peça que não aperta, não soprepõe, apenas se encaixa.
Eu fico aqui pensando se ele estava confortável na poltrona do ônibus, se chegou bem, se está com fome, se o perfume ainda recende. Penso se ele pensa em mim.
Eu ainda não sei o nome disso que me liga a ele. Ainda não sei se é forte, se dura, se vale. Mas eu penso nisso com uma calma e com uma alegria, que talvez não importe ainda o que seja. Importa que me faz bem.
Eu quero me manter assim, e tentar fazer minha cara de séria enquanto meu subconsciente grita: "não morde essa boca, guri, que assim tu me deixa sem graça e me faz perder o restinho de juízo que ainda tenho."

Eu me sinto uma pessoa normal, ou talvez quase.
Eu me sinto uma nova pessoa, cheia de outros desejos e outras prioridades, posso sorrir novamente, e, acredite, eu tenho paz. Ainda me apetece um vazio e algumas crises raras, mas eu posso sentir o cheiro da tranquilidade, o cheiro mais suave e ainda assim o mais forte do mundo. Porque a força da tranquilidade move, me leva pra frente, me faz caminhar com calma e chegar inteira aonde quero chegar. A tranquilidade me faz levantar em dias em que normalmente eu me largaria à míngua.
Eu faço o que eu quero fazer, sem o velho hábito de competir ou agradar ou provar que sou boa o suficiente. Eu sou boa o suficiente para mim, isso basta. Eu me divirto com o que quero me divertir, e que seja um filme bobo ou uma reunião de velhos amigos, tudo contêm o mesmo valor. Hoje sei que não provo força me forçando a aceitar a hiprocrisia dos velhos bares e aparências falsas. Hoje sei que sou forte quando faço o que me faz bem.
Eu me sinto uma pessoa quase normal. E isso é um elogio que adoro me fazer, porque no fundo ser normal é muito chato!

Era sexta feira, e eu permanecia estática no sofá de uma sala que não era a minha, rodeada de amigos que não pareciam meus. Talvez não fossem. Eu tinha que me controlar e fingir que estava tudo bem. Tinha que conter as lágrimas enquanto aquela maldita queimação no estômago me torturava.
Eu tinha que fingir que tudo era natural, que nada mais me abalava, independente do quanto estava destruída por dentro ou do quanto meu último romance fracassado ainda mexia comigo. Tinha que fingir que não tinha estado no inferno no último ano. Eu queria uma maneira de fugir de tudo e quanto mais tentava, mais estava cercada por toda aquela dor e aquelas histórias cheias de angústia. Talvez ainda estivesse no inferno. Talvez.
Por mais longe que eu parecesse estar, doía. Todas as feridas ainda sangravam, e eu tinha que estampar aquele velho sorriso amarelo e fingir que tudo estava em paz.
O estômago ainda queimava, e quanto mais apertado me parecia o coração, mais sorria. Um sorriso sem cor, sem emoção, enquanto respondia mecanicamente à qualquer pergunta e parecia um pouco ausente à qualquer assunto, mas sorria, era o que importava. Sorrindo não haviam questionamentos.
Mas continuava tentando; eu voltava pra casa com o mesmo sorriso amarelo e dormia ainda com ele. Eu tentava esquecer de tudo que vivi. Talvez eu ainda conseguisse, só não sabia ainda.

Era claro como tentar calçar um sapato que não nos serve mais: a angústia;
Não encaixava, não fazia parte, tirava tudo do eixo. Machucava. Doía o calo antigo. Arrancava as cascas das feridas que começavam a cicatrizar. Mas que diabos aquele sapato ainda fazia no guarda-roupas?
Era claro como tirar um sapato que machuca: o alívio.
Eu coloquei com cuidado o sapato gasto no lixo. Os pés, livres, no chão. Sei que novamente os dedos iriam doer por um curto tempo, mas as cicatrizes me lembrariam que agora preciso encontrar algo do meu tamanho. Algo que não doa, que não sufoque, que não angustie.
A sola dos pés sentia o frio do piso, era incrível.
Acho que as vezes os pés - e o coração - precisam pisar no chão pra se libertar.

E agora eu apenas busco me distanciar o bastante para ver tudo como um grande pesadelo. Apagar uma cidade inteira, cheia de histórias e de pessoas e de sentimentos, como se nada tivesse sido real. É, eu sei que é loucura, mas não há mais nada que me prenda além dessas lembranças confusas e embaçadas. E, sabe, não faço questão de que elas sejam nítidas, pois tudo me doeu demais.
Deitada sob o cobertor, eu escuto o barulho da chuva e dos trovões, e sinto o cheiro bom de estar em casa. O cheiro do perfume cítrico do meu irmão misturado ao dos doces em cima do armário. A sinestesia do cheiro das cores da parede do meu quarto. Do gosto do beijo do vento que entra pela janela. O calor do som do violão vindo na sala.
O frio nos meus dedos, a paz.
Eu fecho os olhos e ainda vejo e sinto tanta coisa que aconteceu nesses últimos anos, mas eu me libertei, é tudo distante e sei que agora não pode mais me afetar. Não há saudade e aquela vida não cabe mais na minha vida.
Estou no vão entre o passado que já encerrei e o futuro que ainda nem comecei. Estou no presente, finalmente. Não, não há história e não há ninguém. Mas há uma folha em branco, sem rasuras, sem condenação, e eu posso seguir em frente sem precisar olhar para trás.O pesadelo acabou.



Era tudo estranho, confuso, uma história de filme que nunca acabava. Eu me sentia estranha. Alheia a tudo e ao mesmo tempo tão afetada. Uma vida que não era minha, amigos que não eram meus. Um ex que não era ex que nem sei o que era barrando minha entrada na vida social. Intrigas, falsidade. E eu? Nem sei de que lado estava. Havia algum lado para estar?
Era tudo tão imcompreensível. O que eu sentia, o que eu vivia, o que era real?
Eu vestia os meus sorrisos e as minhas palavras doces, e fingia que tudo estava bem. Eu engolia as segundas intenções como se elas não existissem, e o ódio como se ele nunca tivesse estado presente.
Eu estava sozinha. Assustada. Perdida. E saía desfilando a minha alegria e dando as mãos a gente que nem conhecia. Fingia conhecer, fingiam me conhecer, fingíamos nos amar.
Absorvia todas as provocações como um airbag, e sorria, inabalável. Sutilmente devolvia mostrando que eu estava bem.
Mas, sabe, por dentro ia tudo se destruindo, tudo caindo, tudo sendo corroído por essa avalanche de sentimentos. Eu ia ficando cada vez mais frágil e mais amedrontada. E mais e mais insegura.
Talvez estivesse apenas descobrindo que não tinha aprendido ainda a viver. Mas era tudo tão confuso; tudo tão solitário.
Talvez eu estivesse entrado numa guerra sem saber. E estava em cima do muro.
E estava sozinha.
E tudo só girava e girava e girava.

Eu percebi então que eu estava livre. Eu não estava livre de alguém ou de algo. Eu estava livre da pessoa que eu tinha me transformado. Estava livre dos julgamentos que acatei de pessoas que nada sabiam sobre o que se passava dentro de mim e dos preconceitos que eu mesma me impus.
Eu me sentei naquela cadeira e me despi de todos os meus medos. Eu joguei as minhas angústias na mesa e travei uma batalha com cada uma delas, que será longa, mas muito mais tranquila do que o que tenho passado as escondendo debaixo dos tapetes da minha alma.
Finalmente, eu senti que começava a estar em paz. Eu estou consciente que uma batalha é uma batalha, e que exige esforços, que compreende recaídas. Mas essa paz que hoje sinto é uma das recompensas da luta que entrei a favor de mim mesma. 
E eu me sinto cada vez mais perto da vitória. 
Obrigada, Senhor.


Eram muitos os dias, que iam se transformando em semanas, e quando eu estava distraída já eram meses desejando que eu não me lembrasse mais tão claramente dele. Desejando que ele se tornasse pra mim mais um borrão, mais uma mancha em branco. Eu não aguentava mais me lembrar, não suportava mais ter vontade de vê-lo apesar de tudo. Era uma tortura ver o sentimento me obrigar a ficar do lado dele mesmo repugnando tanto quem ele era.
Sim, eu desejei, e aconteceu. É claro que eu não contava com essa raiva doentia, mas aconteceu, e foi mais rápido do que imaginei. Vários fatos e várias pessoas me impulsionaram, e abrir os meus olhos para a realidade foi a coisa mais dolorida e mais benéfica que já fiz por mim mesma.
Ouça bem, ele conseguiu ser ainda pior do que tudo que eu já odiava nele! Como pude me envolver com alguém assim? Como pude ser tão cega a ponto de me manter apaixonada por uma ilusão durante tanto tempo? Toda essa informação caiu como uma bomba na imagem dele, e tudo virou o tão esperado borrão.
A única diferença é que agora ele é uma mancha amarronzada; uma mancha suja e com um leve odor desagradável, que ainda incomoda sabe?! Quem sabe um dia, quando esse ódio torturante passar, vire uma dessas manchinhas brancas que carrego na memória.
Eu não consigo mais visualizar a imagem daquele olhar, tudo que existe é uma leve lembrança embaçada e distante. Uma lembrança embaçada do vulto no meu colchão. Mas não, por mais que eu me esforce, não enxergo mais o sorriso, sequer sonho com ele. Nos pesadelos, ele é apenas um vilão sem rosto; no meu dia-a-dia, se converteu apenas no mal que me fez. É, não lembro da presença física. Não consigo me recordar do cheiro, do toque, do formato do queixo que em meus textos eu mencionava tanto. Não consigo fechar os olhos e enxergar o rosto dele, não sei mais qual era a textura dos cabelos, o som do riso, a expressão de prazer.
Eu não vou defender que ele não me afetou, não vou fazer isso apenas pra me mostrar forte. Ele me afetou sim, e bastante, e ainda afeta diariamente. Todo o mal que ele me fez me deixou traumas, acentuou meus problemas de auto estima, descontrolou a minha ansiedade que vinha sendo controlada pelo coquetel de remédios pesados que o médico me obrigou a tomar.
Mas dá pra acreditar que não tenho saudade? No exato momento em que me sentei naquela poltrona de ônibus, deixei tudo pra trás. O sentimento, o desejo, a saudade. Ficou tudo naquele quarto de ap que pretendo nunca mais pisar. Do momento em que entrei em casa até hoje nem por um segundo tive saudades dele. Nem por um milésimo de segundo eu senti falta dos beijos, dos abraços, das palavras, da presença, de absolutamente nada.
E só eu posso compreender a alegria de me libertar desse sentimento doentio. Só eu sei como tanto sofrimento pode ter me dado, ao mesmo tempo, tanto alívio.

Eu não vou negar que me apaixonei. Não vou negar que por um longo tempo eu amava ver aquele rosto e aquele sorriso torto. Eu não vou dizer que não me iludi com os momentos "mágicos".
Mas hoje eu posso ver tudo claramente, sem a nuvem da paixão. Posso enxergar todo o mal que ele me fez, todo o veneno que ele, lentamente, inoculou em mim. E pra ser sincera, sinto ânsias de vômito ao lembrar do rosto dele. O meu estômago é bem sensível, às vezes chego a acreditar que os sentimentos se concentram lá. Ele se retorce e me tortura, me enoja quando lembro dele. É horrível a maneira como me revira tudo por dentro enquanto as cenas insistem em, involuntariamente, ficar repassando na minha memória.
Tenho nojo do beijo, do cheiro, do suor. Nojo do olhar, das palavras, do toque. Eu tenho muito nojo da pessoa que ele é, porque ele sempre esteve podre por dentro e eu não percebi. Tenho nojo das coisas que permiti que ele me fizesse, como eu pude ser tão doce enquanto ele era tão cruel?
Paguei muito caro pela minha ingenuidade, vi a  vida cobrar caro pelo meu tempo perdido, pela bolha que vivi por tanto tempo.
Eu não vou negar que tem sido difícil; Esse misto de raiva e frustação tem me adoecido tanto. Mas também não nego que estou melhor agora do que por tanto tempo ao lado de gente sorrateira e egoísta.


Ora, menino, não seja tão ridículo. Não venha me dizer que nada aconteceu, não tente o mesmo truque de antes porque ele não funciona mais. Não repita o quanto você é bom e o quanto sou culpada por você não me amar. A questão não gira mais em torno disso. Quando eu reforço o quanto você é ruim, eu não falo do que não sentiu por mim. Falo do seu caráter. Da maneira ridícula como você mente sobre tudo, de como vive uma mentira. Do seu jeito sutil de manipular. Da sua mania frequente de agredir sutilmente com palavras quando se sente acuado. Eu te conheci o suficiente pra perceber a sua maneira crítica de olhar pra todo mundo, a sua falta de respeito com o próximo, principalmente com as mulheres. Eu vi você tratar as pessoas como lixo e não valorizar sua família e suas amizades. Te vi dar valor a coisas fúteis. Eu vi a sua falta de responsabilidade e a sua mania de superioridade. Eu falo da pessoa egoísta que você é.
Quando falo do que fez comigo talvez eu esteja mesmo incluindo as suas mentiras gritantes e suas traições. Mas também falo de como foi oportunista ao aproveitar da minha própria doença para me chantagear. De como insistiu pra que eu me apoiasse em você, sabendo de todas as atitudes que tinha que uma hora ou outra iriam agravar tudo o que eu estava passando. Falo da maneira como era grosso e cruel quando se sentia irritado, de como escolhia minhas confidências que mais me magoavam para me causar sofrimento. Eu falo do seu jeitinho de me fazer sentir culpada por erros que não eram meus, do seu jeito de me convencer o tempo todo que a minha vida era errada, que eu era errada, do quanto eu era ruim.
Então não venha com o seu joguinho de palavras, porque eles não vão mais funcionar comigo. Não tente fechar os olhos de quem já os abriu uma vez. Pode ficar aí, na sua bolha, se julgando muito íntegro. Fique com suas drogas e com sua droga de vida. Engana quem ainda acredita em você, que na vida é Deus quem cobra.

É que dá saudade. Dá saudade do sorriso sincero e do olhar encantado. Dá saudade daquele beijo que me tirava o fôlego, que só um cara apaixonado pode dar.
É que a falta de coisas simples faz um buraco muito grande na minha vida, um vazio muito grande em mim. Era o beijo de boa noite, o bom dia, o carinho gratuito de leve no rosto. Era o seu olhar único, o romantismo, o cuidado. Era o jeito de me tocar, o jeito de falar que tava com saudade, a satisfação de estar ao meu lado. Dá saudade de um gesto, de um convite, de um abraço apertado; dos seus dedos no violão satisfeitos em tocar pra mim. E angustia ver ao meu lado um cara que não conheço mais. Um cara que não me conhece mais. Um cara que não me ama mais. Angustia fingir ter alguém que não tenho e te ver se esforçar pra fazer o que devia ser natural. É que humilha te ver se esforçar pra ficar uma noite do meu lado. 
Dá saudade dos momentos simples, das noites sozinhos, da bolha brilhante que eu vivia quando estávamos a sós.
É que dá saudade e essa saudade dói tanto. 



"(...)Estar lá, e ver ele voltar... Não era mais o mesmo, mas estava em seu lugar." (

Eu já vi esse filme antes. Chegou o momento. A hora de me calar. O momento de parar de tentar, inutilmente, buscar apoio de quem não tem mais nada a oferecer. 
É difícil parar de dividir suas angústias com quem sempre as ouviu, com quem sempre se importou com elas. Mas é torturante continuar buscando e dando com a cara na porta. Buscando amor e vendo a indiferença nos olhos, a dureza nas palavras, a falta do cuidado.
É a hora de parar de se lamentar com quem não se importa mais com seus lamentos, quem não pode mais saná-los. 
Se não for assim, posso enlouquecer, eu sei bem. Anos e anos já o fizeram antes.
O fim do amor é sempre triste. Mas o fim do amor de quem ainda amamos é uma dor insuportável.
Eu jurei que não passaria novamente por isso. Jurei virar as costas antes que eu mesma me agredisse tanto, pois é inútil bater na porta se a casa está vazia. Mas eu estou aqui. Por isso agora é a hora dolorosa de me recolher e parar de lutar por uma guerra perdida.
Já estou desgastada por buscar afeto e receber indiferença. Estou cansada de tentar e tentar e me magoar em todas as tentativas.
Agora deixo meus lamentos me corroerem por dentro, as mágoas sufocarem. É assim que tem que ser. É assim que tenho que ser. Forte. É a hora de aguentar tudo sozinha. As lágrimas voltam a ser só minhas. 
O curso do rio segue como tem que ser. Só não vou mais me calejar tentando amontoar pedras para mudá-lo.

É difícil tentar explicar coisas que nem eu consigo entender. Lidar com isso é um trabalho árduo e recheado de críticas. Principalmente minhas.
Lidar comigo mesma e com a maneira de passar isso para o mundo concomitantemente é mais do que eu poderia saber conciliar.
Existe alguma coisa me matando por dentro. E mais do que nunca isso transparece fisicamente; as olheiras profundas, a magreza exagerada, os olhos vidrados e o corpo frágil. E junto as perguntas idiotas: "Andou bebendo?" "Largou do namorado?" "Não tem dormido?" "Tá doente?".
Que tal: "Sim, estou doente. Muito doente, às vezes me sinto em estado terminal.", ou "Isso não é da sua conta."? Não sei qual soaria pior. Qualquer coisa que eu responda sempre é a resposta errada.
Qualquer coisa que eu faça sempre é a atitude errada.
Então, entenda, se tornou um pouco mais difícil esconder isso agora. As desculpas vão se esgotando e eu me sinto acuada. As minhas tentativas de ser compreendida vão se frustrando uma a uma e quero cada vez menos tentar.
Não dá pra sair falando sobre o que é tão confuso em mim.
Pouco a pouco, estou sendo obrigada a deixar de me relacionar. Para obter um número menor de respostas negativas prefiro não responder. Tenho me afastado de pessoas que faziam parte do meu convívio. Tenho me afastado de pessoas que só estavam por perto por curiosidade. Tenho me afastado de pessoas que realmente se preocupam comigo.
Tenho me afastado de todo mundo. Só não consigo mais sorrir como antes. Já não sai da minha boca um "estou ótima" junto com aquele sorriso convincente. A minha apatia é clara e tenho me trancado em casa.
Além de viver com esses fantasmas, com toda essa angústia, com tudo que me consome e não tem um porquê, eu tenho que conviver com a tarefa de esconder isso do mundo. Acredite, eu tentei de outra maneira. E acredite, deu ainda menos certo.
Mas dói tanto viver assim.
Acho que eu estou mais que um pouco cansada. Acho que estou esgotada. 

Olha só pra mim! Há três dias eu não me levanto da cama, não como nem tomo banho, há meses sequer escrevia no meu blog.
Olha pra mim, dividindo o dia todo entre choro, remédios sedativos e sono. Olha isso! Eu não cuido mais de mim e não reciclo mais meus pensamentos, eu não os controlo! Vazia de vida e com os olhos foscos. Algumas crises fortes, as vezes alguns espasmos. Eu não vejo mais TV, não jogo mais no celular, não transito entre a casa e sequer brinco com meus cachorros. Eu não existo mais. Tão vazia de vida e tão cheia de angústia. E a angústia chefe, por mais quieta que eu tente ficar, ela vem, se instala na boca do meu estômago e se espalha. Solta todo o seu peso, toda sua crueldade. E vem sem motivo, sem marcar horário. No resto do tempo, os pensamentos me consomem. Como fantasmas, vagam de um lado para o outro e me mantêm perturbada. As vezes são eles que convidam a angústia chefe pra entrar.
Olha só pra mim! Eu não arrumo mais os cabelos e nem sei que data é. Não sei que dia é amanhã e por que existe um amanhã.
Eu não abdiquei de tudo. Tudo se abdicou de mim. Eu não fiz essa escolha. Me deram como única opção. Eu só não existo mais. Acabou.

É que doía tanto, e eu não tinha a quem falar. Não tinha a quem pedir socorro. Não tinha nada nem ninguém que me trouxesse alívio pra essa angústia. Eu me refugiava em mim mesma e me sufocava ainda mais; asfixia, taquicardia.
Então por muito tempo eu tentei não esconder, tentei falar abertamente dos meus problemas por achar me sentiria melhor. Mas eu entrei num labirinto muito mais cruel. O labirinto do preconceito, da rejeição(ainda maior). Entrei numa situação incompreendida que me fez pior.
Me resta voltar a me refugiar. A me sufocar a ponto de transbordar, e desabafar aqui. Aqui, onde não existem julgamentos e tudo se torna mais fácil de sair quando se transforma em letras.
De repente eu me sentia um lixo, e quem se importaria ou ouviria tanta melancolia?
Hoje, especialmente, eu me sinto rejeitada, humilhada, uma pessoa inaceitável só por ser como sou. Uma "doente mental", me disseram qualquer dia. Me sinto uma pessoa péssima e sem nenhuma motivação para levantar da cama. Fraca. Ingênua.
E continua não havendo nada nem ninguém que me traga alívio para essa angústia interminável.


"Tô invadindo seu espaço ? Desculpa." Essa fui eu, durante todo esse tempo, me desculpando por que mesmo ? Me diminui pra você ficar maior, pra você não me perceber entrando na sua vida. Se você pudesse sentir o quanto isso dói você quem iria se desculpar. 
Talvez ninguém tenha te avisado ainda, então desculpa se eu vou te dar essa notícia sem te preparar antes, mas a porra do mundo não gira em torno do seu umbigo ! Ficou chocado ? Acontece. 
 Como faz pra não sentir aquele soco no estômago quando você se magoa, mesmo tendo sido magoada tantas outras vezes ?"




Marcella Fernanda
Por semanas a fio eu me sentava naquela rodoviária e ficava olhando para o nada... O silêncio me agredia e eu me sentia estranha. Por dias e dias eu ainda escolhia o banco vazio, como se precisasse de um espaço a mais. Eu sentia sua falta. Domingos intermináveis assistindo o programa da Eliana sem você dormindo no sofá ao lado. Eu fugia sempre, eu fugia de tudo e de todos, eu fugia do nosso fim. As vezes me pegava pensando se eu tinha sido uma boa namorada, pensando se vc ia ter algo bom pra lembrar de mim. Eu sempre fingi que foi fácil, mas não foi. Eu mudei minha vida, mudei meus hábitos e meus amigos, e não recebia mais aquela ligação diária e confortante de boa noite. Ninguém me dizia bom dia cara de gia as sete da manhã. E olha só pra nós, não somos sequer desconhecidos. Somos duas pessoas inalcançáveis. Não existe diálogo, não existe amizade, não existe carinho. De vez em quando ainda sinto aquela pontadinha de saudade da pessoa que você era pra mim. Às vezes ainda estranho a maneira como não nos conhecemos mais.


Mais do que não amá-lo... Eu odiava a pessoa que ele era. E já tava na hora de parar de projetar uma pessoa boa naquela imagem.


Sei que devo partir. Sempre sei, mas nunca consigo. Sei que devo virar as costas e evitar essa tortura, mas simplesmente fico aqui parada vendo o tempo passar. Meu exagero doente sempre estraga tudo. Insistir no que não me faz bem sempre foi minha pior insanidade.

Eu só queria aquele menino de volta. Aquele do sorriso torto, que parecia tão meu. Queria acordar de manhã e ficar olhando ele dormir, sem achar que ele ia fugir rápido quando acordasse. A turbulência me doeu tanto, que tudo que eu queria era a paz de beijar aquele sorriso e saber que ele seria só meu. Queria tocar o corpo dele sabendo que ele me escolheu. O cheiro dele impregnado no meu travesseiro. As mãos na minha cintura, me pressionando forte contra a parede. Queria colecionar momentos, fugir no meio da tarde, ou dançar a noite toda olhando pra ele. Queria, por um dia, o celular desligado, um momento só nosso, a ausência de tanta gente pra me assombrar. Eu só queria poder acreditar de novo que tudo ia dar certo, poder escolher todos os dias amar aquele jeito moleque de ser. 

Quando chego, os cachorros me recebem com festa. Enquanto me recepcionam com doces lambidas nos pés, do portão já avisto minha mãe com uma colher de pau na mão, e sinto o cheiro do tempeiro único que ela usa. Amor.
Enfim, casa. O cheiro das frutas sobre a mesa, os passarinhos, o sofá, a tv, as cores dos livros na estante. Pessoas. Mais que isso, pessoas que me amam. No calor do meio dia, meu irmão deitado sob o cobertor; corro e pulo sobre ele e ouço apenas um resmungo. 'Bom dia, pequenachita', sussurro em tom de implicância. 'Bom dia', ele responde num sorriso sem graça de quem teve o sono interrompido. Rolo mais uma vez sobre suas costas, então enfim arranco uma risada. Mamãe abandona as panelas e me dá um beijo caloroso, a palavra "filha" me dá um alívio inexplicável. 'Tudo bem?', ela pergunta. 'Ótima', eu penso. Sim, respondo com os olhos. Papai me mostra então uma função nova naquele smartphone da moda, e rimos juntos das fotos engraçadas que ele encontrou.
Os cachorros passam correndo pela sala, e rimos todos da molecagem que eles transmitem. Sentamos os quatro a mesa, e mais os dois animais moleques aos nossos pés. Sorrisos, fofocas, discussões.
A casa toda tem um não-sei-o-quê de paz, uma áurea de conforto e proteção que me envolve e me tira, por um momento, todas as angústias que me sobrecarregam. E descubro que não é apenas uma casa. É um lar. É o meu lar. A coisa mais minha e mais linda que eu tenho na vida. 
Me recosto no sofá, e sei que estou segura, mais do que em qualquer outro lugar do mundo.

Ele estragou a pessoa que eu era. Eu deixei de ser inocente quando deixei de acreditar na magia dos olhares - por descobrir que as pessoas mentem com os olhos também - .
Ele estragou todas as outras histórias, me fez deixar de acreditar em tudo que vivi.
Como foi que eu deixei ele influenciar tanto assim a minha vida?


Há muito tempo eu já não via mais em você aquele sorriso torto. O seu sorriso era agora diferente, e não me arrebatava mais. Era um sorriso carregado de más lembranças.
Há meses eu não enxergava aquele brilho nos seus olhos, talvez a minha visão esteja distorcida agora pela raiva, ou talvez esteve distorcida por todo o tempo pela paixão.
Eu não sabia mais ser doce com você. O que você me deu esse tempo todo era muito amargo e eu fiquei amarga também.
Então você partiu, e das nossas lembranças só permaneceram as ruins; As boas foram integralmente nubladas por todo o mal que você me fez.
E agora só tento me desintoxicar de todo o veneno que ficou em mim. 

Eu quero me desligar dessa vida, desses lugares, dessas pessoas, desses costumes. Quero me desligar dos sentimentos e das vontades e dar lugar a novas sensações.


Eu não consigo mais me lembrar. Tento recriar na minha cabeça as cenas de nós dois, e aparece simplesmente um vazio. Não me recordo de como eram os momentos em que estávamos sozinhos. Não me lembro dos motivos que nos faziam discutir. Não me lembro se a gente sorria um pro outro, nem sei mais se a gente conversava sobre assuntos corriqueiros.
No seu lugar, ficou apenas uma enorme mancha em branco. Lembranças esquecidas no tempo, tempo perdido. Eu não sei mais como eram os nossos beijos, e, meu Deus, eu não consigo me lembrar dos seus olhos.

Ás vezes eu queria pular os dias. Como se pula de fase em um jogo de crianca, ou de música durante uma viagem; então tomava uma dose de calmante suficiente pra dormir por horas.
E assim eu ia perdendo meu tempo, vendo as semanas se transformarem em meses e aquele vazio sem vida dentro de mim perdurar.
Fugir da dor se tornou um vício persistente e covarde e eu não sabia mais encarar a realidade. Criei um mundo paralelo. Acentuei minha solidão e criei um mundo particular cheio de nada.

Havia mais de dez anos que eu não assistia filmes de terror. Nem de suspense, nem nada do gênero. A minha lembrança do medo era viva. O medo do medo me dominou durante todo esse tempo. Me recordava das noites sem dormir e das percepções distorcidas. Dos vultos e dos barulhos noturnos acelerando meu coração.
Hoje assisti um filme de terror, depois de tanto tempo. E não tive medo do filme. Descobri que tenho medos muito mais constantes, muito mais intensos, duradouros e reais. Aliás adorei assistí-lo para tentar mascarar meu desespero, e isso sim me assustou um pouco. Hoje meus medos são tão maiores que ocultam qualquer medo ingênuo de criança. Hoje a minha pureza de não gostar de filmes de terror acabou. E descobri que agora sou ainda mais medrosa que há dez anos atrás, porque hoje é tudo cruel. Hoje é tudo real.

Sinto fome mas não consigo comer. Sinto sono e não consigo dormir. Me sinto mal deitada, e me sinto mal de pé. Me sinto mal sozinha e no meio da multidão me sinto pior. Quero sorrir mas não consigo. Quero a cura mas não encontro.


É sábado a noite, e eu estou em casa. Não mais tão aflita como nas primeiras semanas, mas algo ainda me incomoda. É sábado a noite e há tanta vida lá fora e eu aqui dentro com a minha solidão. Tem os papéis, a TV, a agenda, o celular, o computador e os remédios. Mas não tem sorrisos e nem diversão. Só um vazio. Ao menos o desespero diminuiu, mas é tão insosso viver assim.
Lá fora, agitação, aqui dentro, calma. Lá fora, companhia, aqui dentro, solidão.
E se fosse meu aniversário, quem eu convidaria pra comemorar? E quando for meu aniversário, pra quem eu poderei ligar?
Aqui dentro, isolada; eu, ilha.
E nem sei se fui eu que cavei esse abismo à minha volta.

Sozinha em casa, assistindo comédia romântica, comendo pipoca e brigadeiro. É, é um dia triste, e apenas procuro um método clichê de enganar a solidão. Cansei dos meus métodos insanos e destrutivos. Afundada em meio as pelúcias, choro e finjo prestar atenção ao filme, cheio de casais felizes e casamentos perfeitos. Talvez seja mesmo mais fácil me comportar apenas como uma adolescente com dor de cotovelo e nada mais.
Jogo a culpa de toda minha tristeza no final de mais um relacionamento, me afundo ainda mais, um soluço, e só espero o amanhã chegar.

Ela: Eu não sei mais o que fazer, não sei mais se consigo continuar.

Ele: Me perdoa. Eu fui tudo o que você não quis que eu fosse, menos o que você mais quis.


Dor de cotovelo (?)

Não me interessava mais quem ele era agora. Me interessava o que ele não foi quando estava comigo.
Ele estava usando aquele moletom despojado que eu sempre quis que ele usasse e nunca era atendida. Nos pés tinha aquele sapatênis com o qual eu quis presenteá-lo e ele rejeitou. Não me interessa o porque e nem a impressão que ele vai causar, interessa a mágoa que eu sentia ao me esforçar para vê-lo assim e ele se negando. 
Agora ele era tudo que eu quis que ele fosse quando estava do meu lado, e faz tudo o que me negou durante os longos anos de relacionamento. Me magoou tanto só pelo prazer de se opor a mim. Agora ele vai a todos os lugares que eu abri mão de ir porque ele não gostava, vive todos os sonhos que ele roubou de mim.
Por mais que o amor tenha chegado ao fim, e tudo se anulado, as mágoas e os traumas nunca poderão ser apagados de dentro do meu peito.
Dor de cotovelo? Tanto faz. Chamo de ódio. Ódio por ter me anulado e perdido tantos anos da minha vida. E por ter me torturado tanto em nome de nada.

Eu tive meus sonhos roubados. Tive as minhas fantasias anuladas, uma a uma.
Acreditei que o romantismo que eu tinha dentro de mim era imaturidade, e me desvesti dele pouco a pouco. Me fizeram acreditar que a magia que pulsava em mim também era, e fiquei totalmente nua de encanto.
Abandonei tudo que fazia os meus olhos brilharem, me privei da felicidade de ser eu mesma, vesti uma máscara de apatia.
Desacreditei muito cedo de relacionamentos, e acreditei que minha única opção era ser infeliz com alguém.
Eu nunca beijei na chuva.
Nunca fiz um piquenique a dois. Sonhei noites intermináveis com o beijo que nunca aconteceu.
 E quis aquela tarde por tanto tempo, até deixar de gostar das tardes de domingo.
Tomei como verdade única a solidão. Acreditei que duas pessoas não se divertiam juntas, apenas na companhia um do outro.
Odiei dia dos namorados, feriados e aniversários de namoro. Nunca planejei casamento, filhos, cachorro. Nunca perdi a hora conversando com alguém.
Eu tive meus sonhos roubados, e achei que tinham me roubado o direito de ser amada.
Hoje eu sei que amor não é imaturidade, e luto pra recuperar a magia, o encanto e a felicidade de libertar quem eu realmente sou.
Será que é muito tarde para sonhar com a próxima chuva?

Eu andava pela casa e ela saltitava atrás de mim. Eu parava pra fazer uma coisa qualquer, e ela se deitava sobre meus pés. Era lindo o jeito que ela lambia os meus dedos e me olhava carente, enquanto abanava o rabo pra lá e pra cá. Eu continuava andando e ela rebolativa atrás dos meus calcanhares parecia nunca se cansar. Eu me agachava e fazia um afago, e mesmo com as suas mordidas insistentes em minhas mãos eu sabia que ela tinha um amor imensurável e era sua forma de demonstrar carinho. Entre uma mordida e uma lambida, ela me olhava com ternura, e eu derretia fácil com aquele olhar.
Ela não gostava de ficar sozinha. Eu me deitava no sofá e ela se deitava ao meu lado, no chão. Ela não dormia num cômodo vazio. Ela era um bebê, fofo e dependente, e eu me sentia privilegiada por poder cuidar dela.
As vezes eu me esquecia de que ela era um animal, em alguns momentos eu até achava que ela era humana. Inteligente e amorosa, eu me confortava com os suspiros dela enquanto dormia.
Eu não gostava mais de ficar sozinha. Queria a maciez da barriga dela encostada no meu colo, queria os latidos agudos irritantes enquanto ela achava que meu pé era o inimigo. Ela era um ser feito de amor, e eu queria a cada dia mais aprender com ela.

'Você chora demais', ele disse.
Sim, eu choro demais. Demais, além do que deveria, além do que posso suportar. Se ele pudesse imaginar como cada lágrima me dói, como cada choro me mata um pouquinho... Se ele soubesse como me torturam as lembranças, quando me deito pra dormir, de cada crise de choro... Uma por uma. Se ele entendesse a gravidade de cada choro, mesmo insistentes e inacabáveis... Sim, eu realmente choro demais, eu merecia chorar menos, merecia sofrer menos. Ou não. Mas deveria chorar menos.
Certa vez presenciei uma discussão entre meu pai e minha mãe; ela estava sofrendo de depressão e passando por diversos transtornos psicológicos parecidos com os meus. Eu ouvi quando o tom de voz dele se alterou e ela desabou. Chorava a ponto de soluçar. Ele bravou: 'Você parece uma casquinha de ovo! Não se pode tocar que está desmontando, que está em prantos, que dá crises!'
Eu não podia compreender um terço do que se passava, me irritava com os gritos e me magoava com a situação, mas não podia compreender. Mas de alguns anos pra cá, martelam diariamente na minha cabeça as palavras do meu pai, casquinha de ovo, casquinha de ovo. Hoje sei bem o que se passava. Como deve ser difícil lidar comigo! Me sinto a cada dia mais ridícula e mais insuportável.
'Não queria que chorasse tanto', ele continuou.
Eu também não, acredite - pensei - mas não respondi. Me pareceu um remendo desesperado na tentativa de me confortar, ele sentiu que poderia me deixar pior (tudo me deixa pior!).
Sinto que incomodo com meu choro sentido brotando a cada palavra alheia. E sei que vou acabar afastando todas as pessoas com meu pessimismo e minhas lágrimas insessáveis. Sei que vou cansar a todos, como cansei os que já passaram e se foram.
Sofro em dobro. O choro é apenas uma reação de tudo que me maltrata por dentro, mostra que sofro a ponto de transbordar. E sofro por sofrer, sofro por deixar transparecer meus sentimentos ruins. Sofro por não ser forte o suficiente para barrar tudo isso e manter só dentro de mim. Sofro por afastar tanto as pessoas que eu mais queria por perto. 

"E toda dor vem do desejo de não sentirmos dor..."  
(Renato Russo)

"Já escrevi sobre tanta coisa, tantas vezes. Ja me declarei mais de uma vez pra mais de uma pessoa. Já tentei tocar o coração de alguém só escrevendo. Mas, porque eu faço isso?
Pessoas como eu são sozinhas por uma razão: Ninguém nunca vai nos entender mais do que as palavras que escrevemos(...)Digo que vou embora mas estou sempre por perto vendo o mundo pelas lentes da minha camera magica. Nós vivemos e nós morremos. Dados à fé e ao medo. Quando o meu tempo acabar, para onde eu vou a partir daqui? São as coisas que penso quando questiono o que melhor posso fazer pela minha vida. Não de imediato. Porém às vezes a gente precisa fugir de nós mesmos para nos encontrarmos.
Em outros tempos. Em outras vidas."



Cara limpa ou nada

"Talvez ele não seja melhor, talvez até seja pior. Talvez ainda não seja ele, quem sabe pra sempre seja você. Mas ele me liga sóbrio e é assim que eu gosto: cara limpa, cara a tapa. Ele não precisa sair de si pra lembrar de mim, não precisa de dose de coragem pra ser meu. E eu não preciso ter que acordar de madrugada ou ir dormir tarde pra ouvir sua voz. Percebe? Minha opção foi múltipla escolha e as alternativas eram bem claras: Alguém ou ninguém. Não hesitei, chega. Guarda tuas desculpas, economiza teus argumentos. Não tenta me convencer que o problema é comigo, para de me fazer sentir culpada por não estar num bar qualquer numa sexta de madrugada. Porque eu passo só os domingos, segundas e todos os outros dias. E isso é culpa sua, então não inventa mais culpas que entre nós não cabe mais. Acontece que eu cansei do teu senso de humor arrogante, do teu jeito prepotente de se impor sobre mim e dizer, sempre em tom de brincadeira, o quanto é bom e as suas críticas entre uma piada e outra. Não dá mais pra eu ficar toda feliz com um elogio teu, sempre raros ou quase sempre subentendidos. Não tenho mais paciência pra esperar você parar de reclamar de saudade e vir me ver. Se você não quer perder essa mania de só me dar valor quando tá me perdendo, eu vou cuidar de fazer você dar valor de vez. Não monto mais meus planos e compromissos baseados em você e seus horários sempre cheios pra mim. Bem-vindo ao segundo plano e faz valer, porque do jeito que as coisas andam, fecho minha agenda pra você também. O cara novo, de uma semana, tem prioridade. O de um dia tá na sua frente também e os que eu ainda nem conheci. Tenho elogios, ligações e espaço em agendas todos os dias, nunca se esqueça disso! Você não quis que fossem vindos de você, amém. Mas eu, ainda assim, tenho tudo isso e mais, todos os dias. E nunca mais vou me esquecer também."




É tão difícil viver inconscientemente me culpando por gostar de você. Me culpando por cada minuto que me sinto bem do seu lado. É complicado viver me freando e me policiando sempre, tentando barrar qualquer euforia por estar com você.
Hoje só quero lembrar como esses dias foram bons, independente de como serão os próximos...


Eu quero apagar a minha vida inteira e a minha personalidade. Quero apagar tudo que sinto e todas as minhas vontades. Quero me anular. Eu quero ser alguém normal e mecânico com um sorriso cordial. Alguém que não se desespera, e lida com tudo de maneira madura e tranquila. Alguém que não chora até sufocar. Não quero mais ser quem eu sou. Nâo quero me sentir rejeitada e sozinha todos os dias. Quero não sentir. Não quero incomodar todo mundo e me sentir um lixo. Nâo quero mais ser essa mazoquista ridícula que se tortura diariamente. Eu não quero minha vida, renuncio. Quero anular tudo, me isolar, evitar a tortura diária de não saber escutar, falar, nem me relacionar.
Eu quero apagar e começar de novo, sem resquícios, sem lembranças, sem manias. Quero uma nova chance.

Eu quero esquecer. Quero esquecer do brilho do olho e da curva dos lábios no sorriso. Quero esquecer do cheiro, do gosto, da voz. Quero tentar e não conseguir lembrar do jeitinho dele de me arrebatar... Quero excluir a imagem de cada expressão dele da memória. Quero esquecer de qual lado era aquele riso debochado e do tom exato daquela pele. Eu quero fechar os olhos e não saber. Não saber como era cada detalhe. Quero apagar. Eu quero esquecer. Quero o fim desse sentimento.



Eu me esforçava e não conseguia. Por anos e anos eu estive ao seu lado, e de repente eu não conseguia me lembrar o tom da sua voz. Me esforçava pra enxergar a imagem dos seus olhos e ela simplesmente não surgia. Eu não sabia mais como você costumava me chamar, não lembrava mais de como era seu jeito de sorrir.
É assustador como tudo simplesmente se apagou.
Não minto que diariamente vivo situações me remetem ao meu passado. Mas você sumiu. De todas as minhas histórias em nenhuma delas enxergo seu olhar. Eu sempre recordo que você estava lá, de algo que falou ou algo que fazíamos juntos. Mas não consigo mais saber quem era você. Nâo enxergo sua imagem e não sei mais quais eram suas manias. Eu não sei mais dos seus detalhes. Eu sempre soube que nada entre nós era intenso, mas não imaginei que a sua imagem pudesse se desfazer na minha memória. 
Por algum tempo eu ignorei, evitei, afastei qualquer tipo de lembrança detalhada, com isso formei o hábito de não recordar. Um dia eu percebi que lembrar não me afetava mais de nenhuma maneira, e aceitei minha história. Só que, agora, nela não cabe mais seu sorriso.
Acho que é isso que se chama fim. E aconteceu quando eu inventei um novo começo.

Foi estranho. Me doeu ver o quanto ainda gosto de você. Tenho medo disso que estou sentindo, principalmente agora que sei que não há possibilidades de dar certo. Eu sei que alguma coisa mudou, mas me amedronta essa fascinação que ainda não acabou. Alguma coisa mudou muito, a mágoa se tornou maior que todas as outras coisas e não há mais como gostar de gostar de você. Mas ainda assim esse sentimento não sai de mim. Parada admirando a sua imagem eu fiquei realmente muito assustada. Eu não quero isso pra mim. Não mais. Não quero amar seu jeitinho de rir que me derrete, não quero me sentir tão confortável do seu lado. Não quero o encanto e desencanto contínuo que você me provoca, eu não tenho estrutura. Não suporto gostar de você sem admirar a pessoa que você é pra mim. Ficar lutando contra esse sentimento infundado cansa, mas eu não quero jogar tudo isso em cima de você, me jogar, quando sei que você não vai me segurar. Eu não posso oferecer tanto pra alguém que tem tão pouco pra dar em troca. 

Obrigada, Deus, pela paz de poder sorrir novamente.
Obrigada por me devolver a capacidade de lidar com problemas cotidianos.
Obrigada por tirar de mim o desespero.
Eu não me entorpeci, eu sinto, me magoo, me enraiveço, choro. Mas obrigada por me fazer sentir viva com esses sentimentos.
Obrigada por devolver a cor pros meus dias, e o prazer de ver o por do sol. 
Não sei quanto isso vai durar até a próxima recaída, mas só eu sei o valor de um dia bom.
Obrigada, Deus.

O que eu tinha não bastava. Mas dói renunciar e trocar tudo o que eu tinha por nada. Dói saber que amanhã já terei sido substituída e que essa saudade vai doer só em mim. Dói pensar em você apaixonado por outra. Ou quem sabe dando a outra o amor que não conseguiu me dar; Dói abrir mão dos seus beijos e das suas ligações; de ter um pouquinho de você. Dói tanto saber que meu coração vai insistir em ficar de luto por tanto tempo, enquanto você facilmente vai encontrar um outro alguém. Que eu fui apenas mais uma dentre tantas e que um dia você vai encontrar uma que faça a diferença. Que vai encontrar a pessoa que vai ser na sua vida o que eu não consegui ser.
Mas o que eu tinha não bastava, eu preciso assumir as consequências das minhas escolhas e compreender que eu não preciso de migalhas.


'E por mais que a mágoa me enraiveça, a saudade não vai embora. Ainda suspiro com aquela foto, e guardo a lembrança tão viva dos seus olhos castanhos me olhando de manhã.