Acordei e abri os olhos, totalmente zonza eu olhei em volta: tudo era iluminado artificialmente num ambiente estéril. Eu não sabia se era dia ou se era noite. Estava sozinha e nua, apenas um tecido verde jogado por cima do meu corpo, e não fazia idéia de como ou porquê tinha ido parar lá.
Quando a vertigem começou a passar, eu me percebi em uma maca, com fralda, dreno e sonda. Não conseguia me ambientar ou raciocinar direito até que um médico entrou, me olhou nos olhos e disse: "Você se lembra do que aconteceu?" Eu pensei e pensei por alguns minutos e então caí no choro enquanto voltava no tempo.
Era um dia de folga qualquer, eu não tinha nada específico na mente, mas meu corpo indicava alguns sinais de ansiedade: A boca seca, a queimação nas costas e inquietação nas mãos e pés. Eu não chorei. Alguns detalhes ainda me fogem, mas de repente tudo começou a perder o sentido, um vazio e ao mesmo tempo uma angústia, como se eu não soubesse o que fazer comigo mesma. A inquietação piorou, mas eu não desisti - em nenhum momento eu desisti de viver - o que é estranho e confuso. Como se carregasse uma pedra enorme nas costas me senti esmagada, eu perdia o ar e meus pensamentos começaram a se acelerar e focar em todos os momentos da minha vida em que me senti triste ou perdida, em todos os momentos que me senti desnecessária para o mundo e um peso para as pessoas eu me amavam. Mas eu ainda não desisti, eu não pensei na morte, não pensei em nenhuma consequência, eu acho que no fundo só queria fazer aquilo tudo parar. Meu peito queimava, como se fosse explodir. Então, não consigo me lembrar de nada além de flashs: eu sentada e a mão cheia de remédios amarelo-alaranjados. As cartelas jogadas no chão. A água fria descendo pela garganta. E depois o nada. Apenas acordei naquele momento horrível em que o médico, além de me perguntar se eu lembrava do que tinha acontecido, disse em voz baixa que eu deveria morrer logo para dar lugar a quem precisava. Mas eu ouvi, e não soube reagir ou lidar com aquilo naquele momento.
Apartir daí lembro de menos coisas ainda. Não sei em que momento eu descobri que havia passado 8 dias em coma, ou em que momento meu Moreno chegou, ou ainda em que momento todas aquelas coisas foram tiradas do meu corpo. E depois disso veio a parte mais difícil: lidar com os danos que causei não só a mim mesma, mas às pessoas que se importavam comigo de verdade. Ver os vídeos que meu moreno gravou pra mim enquanto eu estava desacordada, claramente cheio de sofrimento, ou olhar nos olhos da minha família enquanto eles me olhavam com alívio e medo, com desespero, com dúvidas, e com tanto amor. Ou ver os vídeos dos meus amigos tentando dizer com convicção que eu ia sair dessa, mas sem conseguirem disfarçar a agonia e a tristeza de não saber se isso ia realmente acontecer. Assimilar todas essas informações, somadas aos danos físicos, me deixaram completamente perdida e sem chão. Eu não conseguia caminhar, comer ou dormir. Não conseguia fazer a maioria das outras coisas sem ajuda. Foi um processo lento e doloroso que eu ainda não superei. Sofri tanto preconceito, tantos julgamentos, e isso não me ajuda em nada com o meu processo de recuperação. Depois de um mês eu já voltei a ser uma pessoa funcional, já voltei pro trabalho e à minha rotina, mas não acabou todo esse processo de melhora, tento focar na terapia, nas consultas com o psiquiatra, e nas medicações que me ajudam, mas eu sempre fui uma pessoa neuroatípica e não sei se isso um dia vai mudar. Às vezes ainda questiono se eu realmente mereci a segunda chance que ganhei.