AA


Eu quase cheguei lá. Por pouco não cheguei aos 15 dias mas tive que reiniciar a contagem.
No auge da embriaguez lá estava eu, mais uma vez, tocando seu interfone e perdendo a sensatez. Mais uma vez, como um viciado em químicos, eu me arrependi no dia seguinte. Recomecei. Sempre há tempo, não é? É o que dizem para os Apaixonados Anônimos.

Não sou viciada em amores. Sou viciada em obsessões;


"Por amor as causas perdidas"


Não adianta você me olhar torto e nem me encarar na rua. Não vai funcionar. Nem precisa me mandar mensagem com uma desculpa esfarrapada pra puxar assunto comigo.
Também não vai resolver você me implicar e jogar meu nome nos grupos em comum. Eu não ligo. Você sabe, eu te disse, eu nunca tive saudades de você. Não tive saudades da pessoa que você era e quem você se tornou agora é um estranho pra mim, então esquece todo esse joguinho babaca e inútil e volta pra sua vida tosca e fútil.
Eu não sinto mais tesão por você, garoto. É isso. Eu não te desejo, não, nem por um segundo. A sua presença no mesmo ambiente que eu não me faz a mínima diferença.
Eu realmente não sei em que momento você se tornou esse cara do qual as pessoas costumam ter nojo. Eu não me lembro mais de como você era antes, mas não faz diferença. Só para que tá feio.

Eu não seria capaz de contar quantos livros já li durante toda a minha vida.
Comecei bem cedo, ainda criança, quando a professora os colocava em cima da mesa e mandava que escolhêssemos; eu não escolhia pelas gravuras, como as outras crianças, eu lia a primeira e a última frase até que alguma despertasse meu interesse. Assim que tive autonomia para ir à biblioteca, eu o fazia diariamente. Me lembro bem do corredor grande com pisos vermelhos que levava à biblioteca, e de como a luminosidade era boa quando me sentava no chão. Mas ninguém gostava da menina que passava os recreios sentadas no corredor com um livro no colo, então passei a escolhê-los com pressa, guardar na mochila e ir para o pátio. Então lia em casa, fissurada, completamente absorta.
Eu sempre achei que os livros são como pássaros: Você não pode simplesmente querer possuí-los pra sempre por puro egoísmo. Eu gostava de imaginar quantas mãos já os tinham tocado, e quantas ainda iriam tocar. Me extasiava com as assinaturas na capa de pessoas que já os tinham levado pra casa.
Sempre acreditei que se entregar naquele momento era o importante, apenas.
Eu amo as histórias. Eu amo viajar, amo o jeito que minha mente se teletransporta e volta. Eu não amo o papel.
Eu amo a leitura, eu amo a escrita, todo o êxtase de colocar nas letras o sentimento do momento, o impulso. Às vezes, escrevo em pedaços avulsos de papéis e os vejo queimar. A emoção do momento é o que me importa.
Tudo isso é muito mágico para mim.

Sabe, gatinho, durante muito tempo eu chorei a sua ausência. Eu chorava dias e noites por um misto de mágoa e saudade, e às vezes me perguntava se aquela dor em algum momento iria cessar. Eu te odiava pra tentar compensar a inocência que você me roubou, mas um dia, quando eu abri os olhos, eu me dei conta de que já não doía como antes e que eu estava pronta para seguir em frente. E eu o fiz. Conheci novas pessoas e novos lugares, acreditei que rodando o mundo encontraria um sentimento que preenchesse o vazio de tudo que você levou de mim.
Mas é isso: quando a dor finalmente se foi, ficou o vazio onde costumava morar o ódio que cultivei de você. E esse espaço passou a me devorar. Já há muito tempo esse vazio é tudo que sinto e descobri que te ter não preencheria essa lacuna. O que se foi é pessoal demais, parcial demais. Você jamais poderia repor os sonhos que tirou de mim.
Agora não existe mais ódio, agora não existe mais nada. Apenas continuo buscando me reconstruir.