Paixão

Será que é sempre assim quando a gente se apaixona? Será que a gente sempre percebe tarde demais?
Eu digo: 'eu não gosto tanto assim dele' e cito os seus inúmeros defeitos. Mas em seguida penso em como seria sem graça aquela festa sem a companhia dele. Faço uma lista de coisas que gostaria de fazer, e, olha só que absurdo, nenhuma delas parece ter graça sozinha.
Será que sempre que a gente assume que tá refém de alguém todo mundo à nossa volta já sabe disso há meses?
Pouco mais de 24 horas e eu saturei de saudade. Logo eu, que gritei aos quatro cantos que a gente não combinava em nada, que eu ia seguir sem ele... Como uma dependência, você só se dá conta na ausência. Vai ver se apaixonar é isso: um vício. Delicioso.

Encontro

Talvez eu não esteja assim tão diferente. Mas me sinto diferente. E quando te olhei, foi através de outros olhos que te vi: os olhos de uma garota nova, cheia de novas prioridades e mais segura de si. Vi um garoto que fez parte do meu passado, de quando os sentimentos eram outros. Eu te vi sem a neblina da paixão.
Confesso que, por um segundo, pensei se você teria notado, se podia enxergar o quão vazios meus olhos estavam agora pra você, o quanto meus cabelos estão mais fortes, a pele mais bonita, mas no fundo não faz diferença. Eu me sinto assim. E te ver me fez descobrir que quem você é no presente não afeta a pessoa que sou. Você faz parte de antigas mágoas, antigos traumas, dores de uma outra vida. Sua imagem não pode mais me atingir.
Talvez você tenha estranhado a maneira leve como fui embora, ou nem tenha reparado. Não faz diferença. Voltei pro meu mundo e pra nova história que construí pra mim. Fiz o caminho de volta cantarolando e esse vislumbre do passado morreu ali.
Eu virei a esquina sem olhar para trás.

Conto

Ela estava ali. O corpo moreno coberto em partes pela toalha branca. O contraste reluzia no espelho. Ela estava de olhos fechados.
Ele a observava, estático, os olhos cheios de desejo. Com o dorso da mão, afastou delicadamente uma mecha de cabelo do rosto dela. Com um toque leve como pluma, percorreu as mãos pela pele. Pescoço. Ombros. Cintura. Ela suspirou. Glúteos. Coxas. Tocou com cuidado cada curva, admirando a beleza do corpo nu. A luz fraca destacava as covinhas nas costas, ele as tocou, ela sorriu de leve.
E permaneceram imóveis, serenos, numa espécie de transe. Não pensavam nos corpos se fundindo minutos antes. Somente prestavam atenção na respiração um do outro.
Ela se sentia única, se sentia bonita. Sonhara a vida toda em ser olhada assim. Esse momento era pra ela o êxtase, o arrebatamento. Gostava de se exibir, é verdade. Deixara que a toalha cobrisse apenas parcialmente o corpo de propósito. Gostava de ser desejada. Ou melhor, gostava de ser desejada após o sexo. Um desejo puro, livre de interesses. Queria que o amante a admirasse mesmo depois de satisfeito.
Mas o silêncio dentro dela de repente se tornou um barulho alto demais. E esse barulho - uma sirene interna - a fez acordar do transe. Era assim: Para ter o que ela queria, ela precisava ser como nuvem, passageira. Amava de menos pra ter encanto a mais, pra brincar de contos de fadas. Aspirava o máximo que podia, mas ia quando tinha que ir.
Como se tivesse terminado de ler um livro, fechou a capa. Levantou, se vestiu. Ela não era menos intensa agora do que havia sido um dia, apenas sabia quando ir embora. E isso lhe dava uma sensação de superioridade, ela agora tinha uma pitada de arrogância. 
Ele achou que aquela arrogância a deixava linda. 'Lhe atribuía poder', pensou. Com pesar, beijou-lhe os lábios num murmúrio, admirou-a no espelho enquanto ela saía pela porta. 'Saudade', sussurrou. Ela jogou um beijo e desapareceu.

Retorno

Nos primeiros dias eu sonhava exatamente assim: Ele me procurava. Me dava explicações, o motivo por ter ido embora. Depois, tudo virou neblina. Ele não passava de uma névoa embaçada no meio de tantos sonhos aleatórios. Então, aos poucos, deixei de sonhar com ele, deixei de me preocupar, enfim, com o que teria acontecido. E enquanto ele estava longe, eu estava protegida de todas as coisas não ditas que cercavam nosso fim repentino; coisas que sufoquei com cuidado em algum lugar obscuro do peito.
Mas então aconteceu: Ele chegou com calma, como se certificasse de que era seguro. Tentou estabelecer um contato menos áspero. Uma tentativa, duas, na terceira se aventurou a tocar em assuntos latentes entre nós. Eu estava distante, fechada, e minha resposta soou rápida e automática: "Tudo bem". Fim de papo. Ele percebeu, recuou. E as imagens voltaram na memória, como um flash. Por que diabos ele quer explicar coisas há tanto tempo enterradas? Uma raiva subiu pelo meu peito, queimando, queimando. Queria gritar o quanto doeu quando ele se foi sem me dar explicações. Queria acusar, cuspir, ameaçar. Dizer que foi difícil e que ele não tinha o direito de reaparecer assim. Mas sufoquei um grito mudo na garganta, fui pra casa e adormeci.
Voltei a sonhar com aquele momento em que ele voltava, e eu descobria que tudo não havia passado de um engano. Mas a realidade sempre é diferente, e agora eu tenho uma outra vida. Novas pessoas, novas mágoas.
E ele voltou. E de novo, e de novo. E num dia disse com uma normalidade absurda que haviam muitas coisas a serem esclarecidas. Sim, é claro. Mas a questão é: já não sei se quero esclarecê-las. Estava infinitamente melhor quando deixei tudo isso pra trás.
Mas não dá pra fugir do que está tão perto, não adianta tapar os olhos. Terei que enfrentar esse passado, encarar essas ruínas. Não há outra maneira.

Procura

O mais estranho é que enquanto eu me esforçava para me envolver, e pulava de uma tentativa a outra, fracasso após fracasso, eu não me dei conta de que já estava completamente envolvida com você. Você esteve tão perto e eu não enxerguei que era sempre o seu número que eu discava pra contar dos meus problemas e meus medos mais banais.
Eu busquei o tempo todo por outras vozes, mas sempre foi a sua que me trouxe conforto até nos dias mais terríveis.
Quero fugir, mas é você que conhece minhas manias e ri das minhas palhaçadas, que me olha como se eu fosse a mais linda de todas as mulheres. Você que se encanta pelas minhas manhas, e se hipnotiza pelo meu sorriso. Sinto cheiro de problema, mas é você quem me diz o quanto eu sou inteligente e fica atento por horas me ouvindo falar. Como ir embora se é aqui que me sinto em casa? Pra onde ir se o seu olhar parece ter sido sempre o meu lugar? Eu não posso me deixar levar, mas é você que limpa minhas lágrimas quando tudo parece desabar.
Eu me encantei por outros sorrisos, me iludi por outros olhares, mas é só você que me traz paz. É sua companhia que quero em qualquer situação; Naquela festa maluca ou naquela noite quente ou no domingo chuvoso...
E então, eu apenas parei de procurar. O amor está nas pequenas coisas, o arrebatamento vem na naturalidade, é loucura achar que posso guiar meus sentimentos. Estou fadada a me apaixonar pela pessoa errada.