Conto

Ela estava ali. O corpo moreno coberto em partes pela toalha branca. O contraste reluzia no espelho. Ela estava de olhos fechados.
Ele a observava, estático, os olhos cheios de desejo. Com o dorso da mão, afastou delicadamente uma mecha de cabelo do rosto dela. Com um toque leve como pluma, percorreu as mãos pela pele. Pescoço. Ombros. Cintura. Ela suspirou. Glúteos. Coxas. Tocou com cuidado cada curva, admirando a beleza do corpo nu. A luz fraca destacava as covinhas nas costas, ele as tocou, ela sorriu de leve.
E permaneceram imóveis, serenos, numa espécie de transe. Não pensavam nos corpos se fundindo minutos antes. Somente prestavam atenção na respiração um do outro.
Ela se sentia única, se sentia bonita. Sonhara a vida toda em ser olhada assim. Esse momento era pra ela o êxtase, o arrebatamento. Gostava de se exibir, é verdade. Deixara que a toalha cobrisse apenas parcialmente o corpo de propósito. Gostava de ser desejada. Ou melhor, gostava de ser desejada após o sexo. Um desejo puro, livre de interesses. Queria que o amante a admirasse mesmo depois de satisfeito.
Mas o silêncio dentro dela de repente se tornou um barulho alto demais. E esse barulho - uma sirene interna - a fez acordar do transe. Era assim: Para ter o que ela queria, ela precisava ser como nuvem, passageira. Amava de menos pra ter encanto a mais, pra brincar de contos de fadas. Aspirava o máximo que podia, mas ia quando tinha que ir.
Como se tivesse terminado de ler um livro, fechou a capa. Levantou, se vestiu. Ela não era menos intensa agora do que havia sido um dia, apenas sabia quando ir embora. E isso lhe dava uma sensação de superioridade, ela agora tinha uma pitada de arrogância. 
Ele achou que aquela arrogância a deixava linda. 'Lhe atribuía poder', pensou. Com pesar, beijou-lhe os lábios num murmúrio, admirou-a no espelho enquanto ela saía pela porta. 'Saudade', sussurrou. Ela jogou um beijo e desapareceu.

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