Retorno

Nos primeiros dias eu sonhava exatamente assim: Ele me procurava. Me dava explicações, o motivo por ter ido embora. Depois, tudo virou neblina. Ele não passava de uma névoa embaçada no meio de tantos sonhos aleatórios. Então, aos poucos, deixei de sonhar com ele, deixei de me preocupar, enfim, com o que teria acontecido. E enquanto ele estava longe, eu estava protegida de todas as coisas não ditas que cercavam nosso fim repentino; coisas que sufoquei com cuidado em algum lugar obscuro do peito.
Mas então aconteceu: Ele chegou com calma, como se certificasse de que era seguro. Tentou estabelecer um contato menos áspero. Uma tentativa, duas, na terceira se aventurou a tocar em assuntos latentes entre nós. Eu estava distante, fechada, e minha resposta soou rápida e automática: "Tudo bem". Fim de papo. Ele percebeu, recuou. E as imagens voltaram na memória, como um flash. Por que diabos ele quer explicar coisas há tanto tempo enterradas? Uma raiva subiu pelo meu peito, queimando, queimando. Queria gritar o quanto doeu quando ele se foi sem me dar explicações. Queria acusar, cuspir, ameaçar. Dizer que foi difícil e que ele não tinha o direito de reaparecer assim. Mas sufoquei um grito mudo na garganta, fui pra casa e adormeci.
Voltei a sonhar com aquele momento em que ele voltava, e eu descobria que tudo não havia passado de um engano. Mas a realidade sempre é diferente, e agora eu tenho uma outra vida. Novas pessoas, novas mágoas.
E ele voltou. E de novo, e de novo. E num dia disse com uma normalidade absurda que haviam muitas coisas a serem esclarecidas. Sim, é claro. Mas a questão é: já não sei se quero esclarecê-las. Estava infinitamente melhor quando deixei tudo isso pra trás.
Mas não dá pra fugir do que está tão perto, não adianta tapar os olhos. Terei que enfrentar esse passado, encarar essas ruínas. Não há outra maneira.

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