Espelho

    Eu vi nos seus olhos o reflexo da pessoa que eu era -Que já fui, ou que ainda sou, não sei- ,mas vi eles implorarem por atenção num pedido mudo de socorro, saltando das órbitas brilhantes de lágrimas e pousando, angustiados, sobre o meu olhar. Vi em você os gestos desesperados movidos pela necessidade absurda de ficar ao meu lado. Uma estranha queimação me invadiu o peito ao te ver ali, num impasse, e ler na sua expressão a razão te mandando ir embora e sua carência te paralisando.
   Eu tentei, juro que tentei não deixar transparecer o quanto aquilo me incomodava, mas você percebia quando meu olhar vagava longe, e isso te feria tanto, que me feria também. A reciprocidade não tornaria esse sentimento saudável, mas traria menos angústia para ambas as partes. Mas eu não conseguia querer você na mesma intensidade. Só conseguia lembrar incessantemente de cada uma das milhares de vezes que supliquei por ficar ao lado dele, que fiquei paralisada pelo medo de me afastar, que sofri pela insistência que meu sentimento causava. E quanto mais me via em você, mais me sentia culpada e as lembranças doíam em mim. Preferia não saber como essa sensação é cruel, preferia não me importar e te deixar ir. Mas acatei o seu pedido e adormeci ali, no sofá, enquanto você apenas me olhava, hipnotizado.
     Sei que você me queria, mas não podia te dar um beijo que não te pertencia. Não podia te oferecer desejo, e prometi não oferecer nada pelas metades, e não o fiz. Sei o quanto quis me tocar, mas permaneceu ali, imóvel, regularizando a respiração.
Você disse compreender, mas sei que não aceita. Será que você entende que nunca quis ver ninguém se sentir assim por mim? Durmo e acordo com essa culpa, como se estivesse sendo responsável agora por tudo que passei no passado. Não quero mais ver você porque não quero ter que encarar as feridas antigas. Quero poder esquecer, seguir em frente, e você traz as lembranças tão vivas...
     Espero que você me perdoe, assim como espero que eu possa me perdoar também.


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