Elemento Surpresa

    Eu já morri e renasci várias vezes nessa mesma vida.
Ou melhor, a minha esperança já morreu e renasceu.
    A gente as vezes acha que tudo está acabado, e passa a noite planejando como fugir da cidade no dia seguinte. Você desenha seu disfarce, cronometra sua saída, faz as contas com seu dinheiro, mapeia os ônibus e desliga o celular. Pensa em todas as pouquíssimas pessoas que vão querer saber onde você está. E odeia todos.
Mas quando amanhece, o tempo nos leva e nos tranquiliza, nos faz perceber que os minutos não param na nossa dor, e que você consegue, que você é capaz de se levantar e encarar os problemas. Você de repente acha tão ridícula e irreal a idéia de fugir da cidade, e foge pra casa de um amigo. E lá você retoma as suas esperanças e encontra soluções. Não sabe se vai realizá-las, mas já se sente melhor por tê-las encontrado.
    As vezes a gente pensa que perdeu tudo.
Você se encolhe e se convence que acabou. Você acha que já não pode mais suportar, e se desespera.
Mas você se esquece de que você ainda tem seus olhos, suas pernas, seus pensamentos, enfim, todo seu corpo e sua essência ali, a sua disposição, para usar como bem entender e começar de novo quantas vezes for preciso.
    Eu já quis me perder no meu próprio bairro, por odiar me lembrar que tinha que ir embora, que tinha que encarar os fantasmas dos meus pensamentos e as indagações dos meus pais, a realidade, e deixar pra trás a rua, a chuva, a grama, as pessoas, os carros, e tudo o que me distraía para adiar meu sofrimento.
Mas eu não me perdi. E em algum momento eu entrei em minha casa, e chorei. Chorei tanto que meus olhos incharam. Mas o choro cessou. O desespero foi em partes com ele, e eu pude enxergar então que ali não estava a solução.
Coloquei um pagode e sorri (por achar tão inútil a letra, mas tão divertida). E dancei para o espelho. Ele riu de mim também, de como eu parecia desengonçada assim, com os olhos inchados dançando sozinha. Depois conversei com meus pais, ouvi conselhos e nem foi tão insuportável assim. Amei ter achado o caminho e principalmente quando senti a maciez da minha cama, eu agradeci por poder dormir.
    As vezes pensamos na nossa morte. Não seriamente, mas infantilmente. Imaginamos tudo só para poder raciocinar a reação de cada pessoa. Queremos nos sentir o centro, e pensamos então nas pessoas que chorariam, nas que realmente sentiriam nossa falta, nas que lembrariam dos momentos raros e simples que tiveram conosco, e nas que não ligariam (a maioria, segundo nossos 'achismos').
Mas quando o telefone toca, e você lê o nome de uma pessoa importante pra você, nem se lembra exatamente do que estava imaginando, e suspira aliviada por não precisar mais morrer pra se sentir lembrado justamente por essa pessoa.
   Semana após semana, em algum dia, ali estou eu achando que morri, me comparando a um zumbi, teimando que a dor vai me controlar pra sempre. Mas mesmo assim tenho meus momentos, eu supero, eu sorrio, eu me divirto, eu amo, eu danço, e sei que vale a pena. Eu quebro a cara e a conserto, eu quebro um osso e ele sara, eu despedaço meu coração, mas ele continua batendo.
A gente sofre, chora. É mais que normal que você se perca dentro de si. Mas nunca está acabado. O mundo é seu elemento surpresa, e sempre há muito mais vida por vir do que você supõe.

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