Eram muitos os dias, que iam se transformando em semanas, e quando eu estava distraída já eram meses desejando que eu não me lembrasse mais tão claramente dele. Desejando que ele se tornasse pra mim mais um borrão, mais uma mancha em branco como tantas outras, que não houvesse a forte lembrança daquele olhar. Eu não aguentava mais me lembrar, não suportava mais ter vontade de vê-lo apesar de toda dor que isso causava.
Sim, eu desejei muito por todo aquele tempo, e aconteceu. É claro que eu não contava com a raiva doentia que por tantas semanas ainda me atormentou e me confundiu, afinal, abrir meus olhos para a realidade foi a coisa mais dolorida e mais benéfica que já fiz por mim mesma; Mas depois de tudo, aconteceu, eu já não podia me lembrar da imagem dele e foi mais rápido do que imaginei.
Ouça bem, ele havia conseguido ser ainda pior comigo do que tudo que eu já odiava nele! Como pude ter me envolvido com alguém assim, e como pude não ter enxergado? Toda essa informação caiu como uma bomba, e o que, a princípio, era nojo e um misto de raiva, frustração e mágoa (aquela sensação de ser a pessoa mais trouxa do planeta todo), foi dando lugar a um amontoado de ódio.
E, então, quando o ódio finalmente se foi, tudo se tornou apenas um borrão. Eu não consigo mais visualizar a imagem daquele olhar, tudo que existe é uma leve lembrança embaçada e distante. Uma lembrança embaçada do vulto no meu colchão. Mas não, por mais que eu me esforce, não enxergo mais o sorriso, sequer sonho com ele. Nos pesadelos, ele é apenas um vilão sem rosto; no meu dia-a-dia, se converteu apenas no mal que me fez. É, não lembro da presença física. Não consigo me recordar do cheiro, do toque, do formato do queixo que em meus textos eu mencionava tanto. Não consigo fechar os olhos e enxergar o rosto dele, não sei mais qual era a textura dos cabelos, o som do riso, a expressão de prazer. Ele passou a ser uma mancha amarronzada; uma mancha suja que ainda incomoda um pouco, sabe?! Quem sabe um dia, quando a mágoa passar, vire uma dessas manchinhas brancas que carrego na memória.
Eu não vou defender que ele não me afetou, não vou fazer isso apenas pra me mostrar forte. Ele me afetou sim, bastante, e ainda afeta diariamente. Afeta porque todo o mal que ele me fez me deixou traumas, acentuou meus problemas de auto estima, descontrolou a minha ansiedade que vinha sendo controlada pelo coquetel de remédios pesados que o médico me obrigou a tomar.
Mas dá pra acreditar que não tenho saudade? Naquele exato momento em que me sentei naquela poltrona de ônibus, deixei tudo pra trás. O sentimento, o desejo, a saudade. Ficou tudo naquele quarto de ap que pretendo nunca mais pisar. Daquele momento divisor de águas em que entrei em casa até hoje nem por um segundo tive saudades dele. Depois de tanto tempo, saber que, nem por um milésimo de segundo, eu senti falta dos beijos, dos abraços, das palavras, da presença, de absolutamente nada, é incrível!
E só eu posso compreender a alegria de me sentir totalmente liberta daquele sentimento doentio. Só eu sei como tanto sofrimento pode ter me dado, ao mesmo tempo, tanto alívio.

3 comentários:

  1. Quero tanto me sentir assim pequena!
    Sinto que caminho para estes mesmos sentimentos. E teremos uma a outra. Sempre S2

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  2. E sentirá! Sempre tão parecida comigo, e sempre vamos nos reerguer juntas, aconteça o que acontecer. <3

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